Um clássico com uma única restrição: ter 20 m² de área vélica

Tenho como sonho um dia poder implementar uma iniciativa para preservar o patrimônio náutico brasileiro… por isso, já pensando em algum dia poder implementá-lo, além do Cadastro de Veleiros Clássicos, decidi pesquisar e escrever artigos sobre diversos assuntos relacionados à vela brasileira, entre eles, os veleiros desenvolvidos no Brasil… é sobre isso que irá encontrar informações no texto abaixo… caso possa colaborar com informações ou registros históricos, entre em contato. O que não podemos deixar acontecer é essa história se perder.

Max Gorissen – Velejador. Escritor.

Os Iole 20 metros são veleiros baseados em um tipo de veleiro Alemão de comprimento entre 7 e 9 metros (as dimensões variam consideravelmente entre veleiros), oriundo dos anos 20 e que tinham uma única restrição: ter uma área vélica de 20 m², com uma diferença de 10% para mais ou menos.

Um designer conhecido por causa do veleiro que hoje se encontra no Clube Veleiros do Sul (RS), de nome Tietê e mandado construir por Leopoldo Geyer, foi o alemão Arthur Tiller (deixou mais de 300 belíssimos designs).

Os primeiros veleiros brasileiros da classe foram construídos com base em planos Alemães para os sócios do Yacht Club Santo Amaro (YCSA). Junto com os Iole 15 m², os Ioles 20 m² foram as primeiras classes de veleiros monotipo que formaram uma frota com uma especificação definida pois, até então, os veleiros da represa, eram diferentes uns dos outros por serem construídos por seus próprios donos “no quintal de casa”.1

Construídos no Brasil entre os anos de 1930 e 1942, os Ioles 20 m² eram muito rápidos e considerados os melhores veleiros para as águas rasas (e cheias de troncos de árvores) da Represa de Guarapiranga, em Santo Amaro.

Em São Paulo, foram construídos por diversos estaleiros, como o Estaleiro Klosterman e o Flório Zotarelli. No Rio Grande do Sul, foram construídos, entre outros, pelo Estaleiro Jacó Zeller (Tietê) e chamados de Classe Jangadeiro 20.


O batismo de mais uma lole 20 Metros no YCSA em 1936: o número de sócios e seus barcos não pára de crescer – Foto: Livro Soprando as Velas – YCSA 70 anos

Vários veleiros Iole 20 metros também foram guardados e velejados na represa Billings em São Bernardo – SP, como mostra a belíssima foto de Manfred Kaufmann velejando no Aracati – V 214 abaixo:

Aracati – V214 com Manfred Kaufmann no leme – Represa Billings – SP – Foto do acervo de família enviada por Manfred Kaufmann Jr. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

Os Ioles 20 m² eram na época a embarcação que mais se assemelhava ao “Swalow”, veleiro dinghy usado nas Olimpíadas de Torbay de 1948, na Inglaterra.

Como não existiam veleiros da Classe Swallow no Brasil, ficou estabelecido de que as regatas disputadas em veleiros Ioles 20 m² durante a “Taça Brasil” (instituída pelo Dr. Mariano J. M. Ferraz, foi disputada pela 1ª vez em 1939) na Guarapiranga, teriam caráter de escolha pré-olímpicas, devendo, seu resultado, apontar comandante e tripulação do veleiro da classe “Swallow” brasileiro em Torbay.

Com base na sua classificação na “Taça Brasil”, foram escolhidos os velejadores Vitório Walter dos Reis Ferraz e Carlos Borchers (veja descrição na foto abaixo) que terminaram a Olimpíada de 1948 na 10ª posição da Classe Swallow, velejando no veleiro de nome “Andorinha”.

As provas da classe Swallow, durante os Jogos Olímpicos de Verão de 1948, ocorreram entre 3 e 12 de agosto daquele ano em Torbay, no condado de Devon, no sudoeste da Inglaterra. O programa era formado por sete regatas. Para esta classe, participaram 21 velejadores de 21 nações inscritas.2

Ioles 20 m² participando da “Taça Brasil” em junho de 1948. As regatas foram decisórias para a definição dos participantes brasileiros da classe Swallow nas Olimpíadas de 1948. Entre os veleiros das fotos, aparece Aracaty – V214, pilotado por Vitório Ferraz e os proeiros Carlos Borchers e Jorge Beloti, que venceu o campeonato fazendo com que Victório Ferraz e Carlos Borchers fossem escolhidos para representar o Brasil. Eles terminaram as Olimpíadas de Torbay de 1948 na Inglaterra na 10ª posição, velejando no veleiro Swallow de nome Andorinha. Fonte: Revista Yachting Brasileiro No. 44 de junho de 1948 – Todos os direitos reservados – Proibida sua reprodução.

Os veleiros Iole de 20 pés (classe “Z” – Zwanziger – na Europa e “V” no Brasil) foram construídos em grande número na década de 1920 e atingiram seu auge no período anterior à Segunda Guerra Mundial.

No entanto, ainda houve uma série de novas construções, especialmente no sul da Alemanha, na década de 1950 (número de velas chegando a aproximadamente 517), até que a classe estagnou com a introdução dos modernos veleiros da Classe Flying Dutchman (FD – saiba mais em: Um holandês que voa pela água). O problema sempre foi a especialização resultante dos diferentes designs, de modo que, dependendo das condições de vento, um barco ou outro leva vantagem.

Em meados da década de 1970, o interesse europeu pelos veleiros de regata da classe “Z” reacendeu novamente. Originando-se na Áustria (Mondsee, Grundlsee), Lago Chiemsee e nas águas do norte da Alemanha (Lago Ratzeburg, Lago Steinhude), desde então, possui campeonatos com regatas regulares. Nessa época, a associação de classe foi fundada e os regulamentos de construção foram modernizados. Hoje, os novos Zwanziger (traduzido para o português como 20 e poucos pés) possuem um spinnaker moderno e dois tripulantes no trapézio. A velha ideia de experimentar formas e melhorias continua viva; desde 1980, houve um fluxo constante de novos veleiros sendo construídos, nem todos competindo imediatamente com as embarcações mais antigas. No entanto, o fascínio pela velocidade e pelo uso da madeira nobre como material de construção permanece.3

Medalha da Iole 20 – Classe V – Vencida por Manfred Kaufmann em algum campeonato da classe ocorrido em 14-11-1948 – Acervo Manfred Kaufmann Jr.

  • Período de Fabricação no Brasil: 1930 a 1942
  • Modelo: Iole 20 metros quadrados (Iole 20 m² ou Jollen 20 m²) e Classe Jangadeiro 20 (RS)
  • Estaleiros brasileiros: Klosterman (SP), Florio Zotarelli (SP), Jacó Zeller (Rio Grande do Sul)
  • Material construtivo: Madeira
  • Armação: genoa e mestra carangueja
  • Propulsão: Vela
  • Tripulantes: 3
  • Comprimento: entre 7 e 9 metros (as dimensões variam consideravelmente entre veleiros)
  • Linha d’água (m): varia
  • Boca (m): 1,7 m
  • Calado (m): varia
  • Área velica (m²): 20 m² com talas full-batten
  • Deslocamento (Kg): varia
  • Projetista: Baseados em desenhos dos anos 20 vindos da Alemanha.
  • Observações: No Rio Grande do Sul, foram construídos diversos Iole 20 metros que foram rebatizados com o nome de Classe Jangadeiro 20.

A classe 20 m² (classe “Z” – Zwanziger – na Europa e “V” no Brasil) continua ativa na Alemanha e na Áustria, com. veleiros ainda navegando nos lagos da região. Lá competem veleiros da década de 20 e 30 e novas construções também são aceitas.

Veleiro Aracati 20 metros (V 214), o Olímpico de Heitor Rocha Azevedo (sócio do YCP na década de 30), um 15 metros e outro 20 metros sem numeral na vela, em regata na represa de Guarapiranga na década de 30 – Foto: Acervo de Heitor Rocha Azevedo extraída do livro YCP-História, Tradição e Conquistas.
Outra foto dos veleiros 20 metros, na mesma regata acima – Foto: Acervo de Heitor Rocha Azevedo
Nome originalAnoNumeralOutros nomes
Alte Liebe1937
AracatiV 214
AschiantiV 121
BemtiviV 217 – V 434
Eolo
Iguaçú
Lario
Le FantasqueV 431
Lupa
Malandro
Passat1936
Rajada1941J 1
Tietê
Travemuende1936
UbáV 433
XV 306

Os veleiros da classe Iole 20 m² possuem dimensões entre 7 e 9 metros (as dimensões variam consideravelmente entre veleiros), contudo, sua área vélica possui uma única restrição: ter uma área de 20 m², com uma diferença de 10% para mais ou menos.

Plano vélico – Desenho enviado por Jackson Bergamo
Linhas do casco – Desenho enviado por Jackson Bergamo

Detalhes da Iole 20 M2 Aracati fotografado no YCSA – Fotos: Max Gorissen – Proibida sua reprodução.

  • Caça à raposa – meado dos anos 30 (veja descrição a seguir)
  • Taça Souza Queiroz – DSC (Deutscher Segel Club – posteriormente YCSA) – 1936
  • Cruzeiro dos Três Lagos – DSC (Deutscher Segel Club – posteriormente YCSA) – 1937
  • Troféu Avary dos Santos Cruz – 1948
Artigo sobre o TROFÉU AVARY DOS SANTOS CRUZ CORRIDO EM GUARAPIRANGA – Revista Yachting Brasileiro No. 48 de outubro de 1948 – Todos os direitos reservados – Proibida sua reprodução.

CURIOSIDADE SOBRE OS PRIMEIROS CAMPEONATOS: Uma das brincadeiras dos velejadores da represa de Guarapiranga em meado dos anos 30, era conhecida como “caça à raposa”. Um veleiro, a “raposa”, largava na frente e, 15 minutos depois, uma flotilha saía em perseguição. Em meio a ousadas manobras na represa, vencia quem conseguisse lançar dentro do barco fugitivo o maior número de saquinhos de areia — todos marcados com o número do veleiro de onde tinham sido jogados. Às vezes, o dia era da caça. A “raposa” se defendia com tamanha habilidade que conseguia vencer a prova ilesa, sem um único saquinho a bordo.4

Artigo sobre várias regatas na Represa “Nova” (Guarapiranga) e várias classes, inclusive os Iole 20 metros – Revista Yachting Brasileiro No. 43 de maio de 1948 – Todos os direitos reservados – Proibida sua reprodução.

Artigo sobre os Iole 20 metros durante a Taça Brasil na Guarapiranga na Revista Yachting Brasileiro No. 44 de junho de 1948. Todos os direitos reservados – Proibida sua reprodução.

Artigo sobre várias regatas na Represa de Guarapiranga e várias classes, inclusive os Iole 20 metros – Revista Yachting Brasileiro No. 46 de agosto de 1948. Todos os direitos reservados – Proibida sua reprodução.

No artigo sobre várias regatas na Represa de Guarapiranga e várias classes, inclusive os Iole 20 metros, na foto inferior, menciona: Saem do Yacht Club Paulista velozes «20-metros» em disputa do «Troféu Igajara». Luta renhida e leal, mais uma vez é vencedor Vitório Ferraz, expoente máximo da sua classe (infelizmente não faz menção aos nomes dos veleiros). Revista Yachting Brasileiro No. 47 de setembro de 1948. Todos os direitos reservados – Proibida sua reprodução.

Artigo incrível sobre o “IV Campeonato de Vela Brasileiro de 1949” incluindo as matérias do RIO DE JANEIRO e de SÃO PAULO das classes Sharpie 12m², Iole Olímpica, Guanabara, Snipe e Classe Iole 20m²“. Revista Yachting Brasileiro No. 53 de março de 1949. Todos os direitos reservados – Proibida sua reprodução.

Artigo sobre sobre o Yacht Club Eldorado e as várias classes, inclusive os Iole 20 metros – Revista Yachting Brasileiro No. 75 de janeiro de 1951 – Todos os direitos reservados – Proibida sua reprodução.

Artigo sobre o “V Campeonato Brasileiro de Vela – Rio e São Paulo” – Revista Yachting Brasileiro No. 79 de maio de 1951 – Todos os direitos reservados – Proibida sua reprodução.

No Rio Grande do Sul foram construídos diversos Iole 20 que por aqui foram rebatizados como Classe Jangadeiro 20. Foram famosos o Iguaçú, o Tietê e um sem nome que até hoje está no Clube dos Jangadeiros. O Iguaçú não existe mais pois foi destruído ao cair o galpão onde estava guardado durante um forte vendaval.

Guilherme Medaglia e Rolf Peter Nehm revitalizam o histórico Tietê !
No Pavilhão dos Monotipos, um barco em especial chamou a atenção do velejador Guilherme Medaglia, de 20 anos. “Eu estava passando por ali e notei um barco grande e muito bonito e fui tentar descobrir a história dele”. A embarcação a que ele se refere é o Tietê, um Sharpie de 20 metros de área vélica, que pertenceu ao fundador do Clube dos Jangadeiros, Senhor Leopoldo Geyer.
A idade certa do barco é difícil de dizer, mas o sócio benemérito, Kurt Keller, afirma que ultrapassa os 75 anos do Clube. A construção foi feita por Jacó Zeller com base no projeto do designer de Iates alemão, Arthur Tiller (http://sonderklasse.org/tiller.html) . O grande diferencial do Tietê é o casco, que tem o formato redondo. “Nosso fundador, Leopoldo Geyer, conhecia este barco pela literatura alemã, através da revista Die Yacht, que circulava entre os aficionados ao iatismo. Na época, também navegava nas águas do Guaíba, em Porto Alegre, o Iguaçú, que era irmão gêmeo do Tietê”.
A bonita história da embarcação foi o bastante para que Guilherme quisesse reformar todo o veleiro. “Precisava valorizar essa história”, ele conta. Nesta missão, o atleta pediu a ajuda do professor da Escola de Vela, Rolf Peter Nehm.
Até o momento, a dupla já conseguiu realizar algumas etapas da revitalização. “Limpamos todo o barco, conseguimos uma buja em boas condições e eu fiz em casa uma peça que estava faltando no leme. Estamos indo devagar, o próximo passo é arrumar um quebrado na popa, mas o maior problema é que está faltando uma vela grande. Caso alguém tenha alguma sem uso e consiga nos doar, adaptamos ao Tietê e finalizamos a reforma”.
Para Kurt Keller, essa revitalização é importante porque revive e valoriza a história do Clube e de seu fundador. “O amor que temos ao Jangadeiros foi o Senhor Leopoldo que nos transmitiu, assim que criou o Grupo dos Filhotes dos Jangadeiros. Este barco pertenceu a ele e merece a nossa atenção.

Fotos do Tietê por Guilherme Medaglia e Rolf Peter Nehm

O Tietê ganhou várias regatas “A volta das Praias”, nos anos 70! Ótima ideia, a de recuperar esse clássico.
Parabéns, Guilherme e Peter!

Esta classe continua ativa na Alemanha e na Áustria, navegando nos lagos da região. Ainda competem lá barcos da década de 20 e 30. Na regra da classe foi autorizado o uso do Balão e de trapézios para os proeiros. É muita vela, precisa de muita borda. Veja os sites da classe da Alemanha e Áustria que tem fotos lindas, e no Youtube você pode ver alguns vídeos pesquisando Z Class, Rennjolle. Estes são os sites: http://www.zboot.net ou http://www.z-rennjolle.at

Max, tudo bem?

Vi sua matéria sobre os 20 metros que me fez lembrar de meu pai. Ele tinha um Iole 20 m² de nome Aracati – V214 em Eldorado, na Represa Billings. Envio algumas fotos que tenho nos álbuns da família. Teve um tempo que tentei localizar o barco dele, mas sem sucesso. Não velejei no barco… meus pais se conheceram em Eldorado, ele velejando no 20 m e minha mãe em um Olímpico. A vela continuou sendo uma paixão dos filhos (Renato e eu), mas, infelizmente, meus filhos não se dedicaram à modalidade.

Meu pai velejou no 20 metros entre 1948 e 1950. Quanto ao numeral do barco dele (V 214), há dados conflitantes pois há uma foto de um veleiro com o numeral V 121, contudo, é impossível identificar as pessoas a bordo (pode ser outro veleiro). Achei também uma medalha de 14/11/1948 (veja fotos no início deste artigo).

Abraço,

Manfred Kaufmann Jr.

Fotos do Aracati – V214 com Manfred Kaufmann – Represa Billings – SP entre os anos 1948 e 1950. Foto do acervo de família enviada por Manfred Kaufmann Jr. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

  • Jackson Bérgamo
  • Francisco Luiz Silva do SPYC (com edições da Revista Yachting Brasileiro)
  • Manfred Kaufmann Jr.

Espero que tenha gostado pois, cada embarcação clássica tem uma história única para contar e que pode servir de referência e consulta para historiadores, pessoas e instituições interessadas, antigos e novos proprietários e o público em geral, promovendo assim a rica e as intrigantes histórias associadas a esses clássicos e preservando e aumentando assim seu significado cultural para as gerações futuras.

Bons ventos!

Max Gorissen

Velejador. Escritor.


  1. Livro Soprando as Velas – YCSA 70 anos – Ernesto Riebel ↩︎
  2. Vela nos Jogos Olímpicos de Verão de 1948 – Swallow – https://pt.wikipedia.org/wiki/Vela_nos_Jogos_Ol%C3%ADmpicos_de_Ver%C3%A3o_de_1948_-_Swallow ↩︎
  3. The history of the 20s racing dinghy https://www.z-rennjolle.at/z-rennjolle-geschichte/ ↩︎
  4. Livro Soprando as Velas – YCSA 70 anos – Ernesto Riebel ↩︎

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