Um Sharpie que começa com Hagen

Tenho como sonho um dia poder implementar uma iniciativa para preservar o patrimônio náutico brasileiro… por isso, já pensando em algum dia poder implementá-lo, além do Cadastro de Veleiros Clássicos, decidi pesquisar e escrever artigos sobre diversos assuntos relacionados à vela brasileira, entre eles, os veleiros desenvolvidos no Brasil… é sobre isso que irá encontrar informações no texto abaixo… caso possa colaborar com informações ou registros históricos, entre em contato. O que não podemos deixar acontecer é essa história se perder.

Max Gorissen – Velejador. Escritor.

O inglês Harry Fursten Hagen foi um dos pioneiros da vela brasileira. Sem um registro preciso da data em que chegou ao Brasil, acredita-se de que foi em um navio no dia 21 de dezembro de 1897.

Harry F.Hagen

Em 1914, um pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial, participou da fundação do Rio Yacht Club (RYC), do qual foi seu Comodoro por 18 vezes, quase sempre por aclamação, participando também inúmeras vezes da sua diretoria e do conselho. Localizado na cidade de Niterói no Rio de Janeiro, na época, foi o segundo Yacht Club estabelecido em território brasileiro.

No ano 1915, do conhecimento e da experiência marinheira do Sr. Hagen, saiu de sua prancheta o design do monotipo “Hagen-Sharpie”.

Hagen-Sharpie Dolphin (numeral 12) de Harry Hagen em foto de 1934 – Foto do livro 100 anos do RYC Sailing

De construção simples, porém seguro, Hagen definiu seu primeiro projeto como; “um iate que qualquer carpinteiro naval, ou mesmo amador com pouca prática de construção de iates, pudesse construir sem dificuldade“.

O primeiro veleiro de Hagen, hoje conhecido como da 1ª geração dos Hagen-Sharpies, construído em 1915 em sua própria casa, com a ajuda do carpinteiro do clube durante a noite, foi o veleiro de nome Dolphin (o nome do veleiro de Hagen foi inicialmente associado ao nome da classe).

O resultado do projeto e suas características marinheiras foram tão boas que outros sócios mostraram interesse e logo foram construídos, também na casa de Hagen em Niterói, mais três veleiros. Ao todo, foram construídos seis veleiros com base no primeiro projeto (1ª geração: 5 Sowrdfish, 6 Starfish, 12 Dolphin, 20 Minnow, 22 Flyingfish e 23 Goldfish).

O Hagen-Sharpie foi a primeira classe de monotipo brasileira.

No ano de 1935, com a evolução dos conceitos de construção e regatas, veio a necessidade de atualizar o projeto.

Apesar de alguns sócios do RYC defenderem a adoção do já consagrado Sharpie 12m² (leia Sharpie 12 m² – A história desses veleiros no Brasil), Preben Schmidt, ativo velejador da classe Dolphin Hagen-Sharpie (1ª geração), tendo velejado no veleiro pelos últimos 10 anos e, conhecendo muito bem as limitações do barco, colaborou com seu amigo Harry Hagen na modernização do projeto do veleiro original. Ao novo veleiro, deram o nome de Hagen-Sharpie, em homenagem ao Sr. Harry Fursten Hagen.

No novo projeto (veja abaixo em “Planos”), a proa, que era arredondada (chamada spoonbow), foi modificada para uma afilada, aumentando o comprimento do veleiro. A mastreação e o velame também foram alterados, trocando a antiga vela grande carangueja por uma moderna vela triangular (bermuda), o que exigiu o aumento do comprimento do mastro e alterações no estaiamento.

Rápidos, com o fundo em “V”, fizeram muito sucesso na Baía de Guanabara e eram facilmente identificados por suas velas vermelhas da Carter & Cranfield.

Em regata 3-4 Kitiwake – 3-1 Seagull – 3-8 Sealark e 3-5 Osprey – Foto extraída do livro 100 anos do RYC Sailing. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

O progresso, apogeu e decadência característicos de toda atividade humana atingiu também a classe. O ápice foi atingido no final da década de 1950, quando as tradicionais regatas da Commodores Cup (leia a seguir) eram disputadas entre o SPYC e o RYC com oito barcos afinadíssimos. Depois disso a visão dos velejadores do RYC se expandiu, deixando de se ocupar somente com as regatas internas e passando a se interessar também pelas classes internacionais, que lhes dariam oportunidade de disputar regatas em ambiente mais amplo, fora do Brasil.

A chegada da classe Lightning foi talvez o marco do início da decadência dos Hagen-Sharpies. Eram classes de dimensões semelhantes, ambos com três tripulantes, mas o Lightning trazia o desafio do spinnaker.

A liberalidade das especificações do Hagen-Sharpie, que nunca chegou a ser uma classe organizada, com regras rigorosas de construção, comparada à alta rigidez das regras internacionais, selou o seu destino. Os “velhos” Hagens foram sendo vendidos para fora do clube.

No inicio da década de 1960 só restava pouco mais de uma dúzia de barcos. Este número foi encurtando e hoje no clube só resta um exemplar da classe que foi o orgulho do Rio Sailing Club – o Sealark (foto abaixo), de numeral 3-8. Em 2014 foi restaurado pelo clube em comemoração aos 100 anos do Sailing1

Hagen-Sharpie Sealark 3-8 restaurado em 2014 – Foto extraída do livro 100 anos do RYC Sailing. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

Leia a história em detalhes no Livro 100 anos do Rio Yacht Club Sailing – 1914 – 20142, organizado por Brian Higgin, Claudia Swan, Cristina Mitidieri e Patricia Ferreira. Utilizei trechos do referido livro como referência para esta matéria.

Em 1936, durante uma acalorada conversa sobre “futebol”, dois capitães, um do SPYC de São Paulo e outro do RYC do Rio de Janeiro, enquanto degustavam um Gim-tônica no antigo Hotel Terminus em São Paulo, lhes ocorreu a ideia de realizar algumas regatas entre paulistas e niteroienses.

Dessa conversa nasceu a ideia que veio a ser concretizada com as primeiras regatas em 1937.

Vale a pena notar que, justamente em 1936 e 1937, ambos os clubes estavam empenhados em reformar suas frotas, o RYC tendo optado pelo Hagen-Sharpie, enquanto os paulistas, estavam desenvolvendo a classe Seagull.

A série inicial de regatas foi disputada na represa de Guarapiranga já em abril 1937 e, para essas regatas, o Sr. H.M.Sieyes, então comodoro do RYC, doou a taça “Comodoro”, para ser disputada em duas séries de regatas anuais sendo, uma na Guarapiranga (SP) e a outra na Guanabara (RJ), ficando estabelecido de que essa taça permaneceria propriedade do clube que conseguisse ganhá-la três vezes.

Para obter um tento, um dos clubes teria de ganha as duas series do ano.

Com três triunfos, a primeira taça ficou com o clube paulista (SPYC – veja tabela abaixo).

Uma segunda taça foi então doada pelo Sr. Francis L.Glass, comodoro do São Paulo Yacht Club no ano de 1943, sendo que as condições de disputa se mantiveram semelhantes às condições estabelecidas para a primeira taça: A taça fica de posse provisória do clube que vencer as duas competições anuais. A posse definitiva será do clube que conseguir ter a posse provisória da taça por 3 vezes consecutivas ou 4 intercaladas.

Fotos das “tábuas” de resultado das duas taças Comodore’s Cup expostas hoje no SPYC – Foto extraídas do livro São Paulo Yacht Club 100 anos – 1917 – 2017

Especificações

  • Período de construção: 1915 a 1935
  • Design: Harry Fursten Hagen
  • Classe: Classe Monotipo Hagen-Sharpie
  • Armação/ Tipo: Vela grande carangueja e buja
  • Material do casco: Madeira
  • Categoria: Interior
  • Motorização: Nenhuma
  • Tripulantes: 3 pessoas
  • Comprimento: 17,60 pés ou 5,35 m
  • Linha d’água:
  • Boca: 5,4 pés ou 1,63 m
  • Calado: 7 pés ou 2,13 m com bolina baixa (3,9 pés ou 1,18 m com bolina levantada)
  • Área velica: 16,30 m² (3,00 m² de buja e 13,30 m² de mestra carangueja)
  • Período de construção: 1935 a 1950
  • Design: Harry F. Hagen e Prebem Schmidt
  • Classe: Classe Monotipo Hagen-Sharpie
  • Armação/ Tipo: Vela grande bermuda e buja
  • Material do casco: Madeira
  • Categoria: Interior
  • Motorização: Nenhuma
  • Tripulantes: 3 pessoas
  • Comprimento:
  • Linha d’água:
  • Boca:
  • Calado:
  • Área velica:
Preben Schmidt testando o primeiro Hagen-Sharpie da segunda geração no ano de 1937 – Foto extraída do Livro 100 anos do Rio Yacht Club e provavelmente do acervo da família Grael. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.
Nome originalAnoNumeralOutros nomes
Swordfish5
Starfish6
Dolphin191512
Minnow191520
Flyingfish22
Goldfish23
Nome originalAnoNumeralOutros nomes
Seagull3-1
Cormorant3-2
Greeb3-3
Kitiwake3-4
Osprey19373-5
Albatross3-6
Swallow3-7
Sealark3-8
Cygnet3-9
Starling3-10
Fragata3-11
Fulmar3-12
Seabird3-13
Penguin3-14
Skua3-15
Tern3-16
Ibis3-17
SeaHawk3-18
Flamingo3-19
Loon3-20
Osprey II3-21
Pelican *1 (Super-Hagen)3-22
Puffin3-23
Bittern3-24
Bluebird3-25
Oriole3-26
Penguin II3-27
Petrel3-28
Shearwater3-29
Sírius *2
Procion *2
Canopus *2

*1 Por volta de 1950, o Estaleiro Max Janke – Praia de São Francisco – RJ, construiu um “super-Hagen”para um dos sócios do Sailing. Sendo o vigésimo segundo a ser registrado no RYC com o nome Pelican 3-22, seu “modelo” ainda hoje é exibido no bar do clube.

*2 José Cândido Pimentel Duarte, patrono da vela e editor da revista Yachting Brasileiro, convenceu a Marinha Brasileira a adotar a classe para a Escola Naval. Três unidades foram construídas (Sírius, Procion e Canopus) e logo passaram a disputar as regatas inter-clubes concorrendo com os barcos do RYC.

Nome originalAnoNumeralOutros nomes
Imbaí19471-1 (?)
Axel e Erik Schmidt no Hagen-Sharpie Osprey 3-5 – Foto extraída do livro 100 anos do RYC Sailing e provavelmente do acervo da família Grael. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.
Hagen-Sharpie primeira geração com “rabiscos” de modificações da segunda geração, provavelmente, feitas por Prebem Schmidt no desenho original do Sr.Hagen. A referência Swordfish entre aspas, certamente, se refere ao veleiro Swordfish de numeral 5. – Livro 100 anos do Rio Yacht Club e provavelmente do acervo da família Grael. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.
Hagen-Sharpie segunda geração – Projeto com alterações de Prebem Schmidt no desenho original do Sr.Hagen – Livro 100 anos do Rio Yacht Club e provavelmente do acervo da família Grael. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.
Hagen-Sharpie Flamingo 3-19 – Foto extraída do livro 100 anos do Rio Yacht Club. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.
  • Artesanalmente por Harry Hagen em sua casa em Niterói – RJ (1915)
  • Estaleiro Matias – RJ
  • Artesanalmente por Morgan Thomas na sua casa na Estrada Fróes – RJ
  • Estaleiro Max Janke na Praia de São Francisco – RJ
  • Regatas internas do Rio Yacht Club Sailing
  • Campeonato Metropolitano de Vela – RJ
  • Regata Escola Naval – RJ
  • Comodore’s Cup – Regatas entre o SPYC, realizadas na Represa de Guarapiranga em São Paulo e o RYC de Niterói, realizadas na Baía da Guanabara – RJ.

Artigo na Revista Yachting Brasileiro No. 39 de janeiro de 1948 – Campeonato metropolitano de vela de 1947. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

Matéria “A Comodore Cup em Niterói” – Revista Yachtning Brasileiro No. 74 de dezembro de 1950. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

Artigo na Revista Yachting Brasileiro No. 51 de fevereiro de 1949 – Campeonato individual metropolitano. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

Matéria “A Comodore Cup em São Paulo” – Revista Yachtning Brasileiro No. 55 de maio de 1949. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

Taça Força Aérea Brasileira – Revista Yachtning Brasileiro No. 60 de outubro de 1949. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

Artigo na Revista Yachting Brasileiro No. 61 de novembro de 1949 – IV Regata da Escola Naval. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

Artigo na Revista Yachting Brasileiro No. 62 de dezembro de 1949 – Campeonato Metropolitano de 1949. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

Artigo na Revista Yachting Brasileiro No. 76 de fevereiro de 1951 – Rio Yacht Club – Regatas inter-clubes. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

  • Revista Yachting Brasileiro – várias Edições
  • Livro 100 anos do Rio Yacht Club Sailing – 1914 – 2014, organizado por Brian Higgin, Claudia Swan, Cristina Mitidieri e Patricia Ferreira.
  • Livro São Paulo Yacht Club 100 anos – 1917 – 2017
  • Francisco Luiz Silva do SPYC (com edições da Revista Yachting Brasileiro)

Espero que tenha gostado pois, cada embarcação clássica tem uma história única para contar e que pode servir de referência e consulta para historiadores, pessoas e instituições interessadas, antigos e novos proprietários e o público em geral, promovendo assim a rica e as intrigantes histórias associadas a esses clássicos e preservando e aumentando assim seu significado cultural para as gerações futuras.

Bons ventos!

Max Gorissen

Velejador. Escritor.


  1. Texto extraído e reproduzido do Livro 100 anos do Rio Yacht Club Sailing – 1914 – 2014, organizado por Brian Higgin, Claudia Swan, Cristina Mitidieri e Patricia Ferreira. ↩︎
  2. Livro 100 anos do Rio Yacht Club Sailing – 1914 – 2014, organizado por Brian Higgin, Claudia Swan, Cristina Mitidieri e Patricia Ferreira. ↩︎


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