Estaleiro Flório Zotarelli

Tenho como sonho um dia poder implementar uma iniciativa para preservar o patrimônio náutico brasileiro… por isso, já pensando em algum dia poder implementá-lo, além do Cadastro de Veleiros Clássicos, decidi pesquisar e escrever artigos sobre diversos assuntos relacionados à vela brasileira, entre eles, os veleiros desenvolvidos e seus estaleiros no Brasil… é sobre isso que irá encontrar informações no texto abaixo… caso possa colaborar com informações ou registros históricos, entre em contato. O que não podemos deixar acontecer é essa história se perder.

Max Gorissen – Velejador. Escritor.

Este estaleiro era dirigido pelo Senhor Flório Zotarelli que, em 1921, com apenas nove anos de idade, foi ajudar o tio Carlos na sua empresa, a Construções Náuticas C.Remedi, a fabricar barcos que, na época, eram utilizados para as regatas que ainda aconteciam no rio Tietê em São Paulo.

Por volta de 1930, após a morte do tio, deixou a empresa e fundou, junto com João Xavier, seu próprio estaleiro, cujo nome, Neptuno, ainda aparecia na fachada nos anos 80 (veja foto abaixo), resistindo bravamente aos rigores do tempo.

Fez o primeiro barco para um catraieiro que trabalhava com transporte fluvial de cargas.

Sua próxima encomenda, foi um Sharpie para um esportista que, anos mais tarde, seria o pai do campeão Mário Buckup. Foi um sucesso, e Flório passou a ser recomendado aos iatistas, pois seu trabalho, cheio de minúcias, tirando proveito da elasticidade das regras, produzia embarcações sólidas e velozes.

Trinta anos mais tarde, ele construiria barcos para o próprio Buckup, ajudando-o a se transformar em campeão brasileiro de Lightining. Também fabricaria o seu primeiro Star, o que iniciaria uma paixão por “esse barco de mastro grande, fino e aristocrático”.

Em 1934 desligou-se de João Xavier e fez sua primeira tentativa absolutamente sozinho. Mudou-se com suas ferramentas — e especialmente com suas mãos habilidosas – para um velho barracão a menos de uma quadra do estaleiro Neptuno, para onde voltaria em 1957, ano em que assumiu o compromisso diante de esportistas de São Paulo de construir o primeiro Lightining brasileiro, pois a Classe só era difundida no Rio e todos os barcos eram importados.

Com mais de 400 barcos fabricados ao longo dos anos, muitos outros reformados e, uma infinidade de trabalhos de marcenaria náutica (leme, mastro, retranca, remos, etc), ele dizia: “Barco é assim: a alegria surge quando a gente começa a construir um, aumenta com o capricho de cada detalhe e termina quando você coloca a embarcação na água. Aí acabou. É voltar para o estaleiro e começar outro”.

Um dos mais conhecidos estaleiros dos velejadores da Guarapiranga, o Flório, durante muito tempo, ficou instalado nas margens perto da barragem da represa, contudo, em determinado momento, mudou para um galpão perto da represa, na Rua dos Inocentes, 578 – Socorro em São Paulo.

Sr. Flório Zotarelli trabalhando em seu estaleiro – Foto de Luis Carlos Kfouri – Revista Vela e Motor Ano III – No. 31 de outubro de 1979. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.
Estaleiro do Flório Zotarelli, ainda com o nome original Neptuno na fachada – Foto de Luis Carlos Kfouri – Revista Vela e Motor Ano III – No. 31 de outubro de 1979. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

O estaleiro também produziu diversos modelos de lanchas, como pode ser visto no vídeo abaixo.

Dentre os modelos, figuravam lanchas norte americanas, como a Nikita, baseada em uma Chris-Craft 16 e fabricada pelo estaleiro em 1948.

O estaleiro encerrou suas atividades com o falecimento do Sr. Flório.

Amaciando as velas de algodão “Polaschek” do Veleiro Lightning CANOPUS BL 6057, primeiro Lightning construído pelo Flório em 1957 – Foto: Roberto Rocha Azevedo
NomeModeloNumeralAno
BrisaLightningBRA 12360
Bwana / Old VickyStarBRA 39121957
CanopusLightningBL 60571957
FeitiçoSharpie 12m²BRA 140
GabiruSharpie 12m²BL 13 / BRA 6541956
HippieSnipe
Kee KeeLightningBRA 81261969
KutukaStarBRA 6305
PandoraIole OlímpicaBL 14
RubaiyatSharpie 12m²
Thais VIIILightning
ZRBSTLightningBL 74951957

Matéria “Seu Flório, um artesão que resiste”. Revista Vela e Motor Ano III – No. 31 de outubro de 1979. Todos os direitos reservados. Proibida sua reprodução.

Estaleiro Flório – Em 1959, o pai de Isabel Fomm de Vasconcellos mandou construir uma lancha no estaleiro e filmou o processo construtivo e a saída de teste com a lancha. – Foto extraída do vídeo de Isabel Fomm de VasconcellosMemória vd 1960 dec esqui e construção da lancha reeditado 2013
Se, você era velejador de dinghy’s em competições, com certeza, usou um leme ou uma bolina fabricada pelo Flório! Velejando no meu HC-16 de nome “Bad Max” no anos 80. O veleiro ficava no CDMI na Represa da Guarapiranga. A primeira coisa que fiz ao adquirir o veleiro, foi comprar um jogo de lemes do Mestre Flório (abaixo). Eram simplesmente obras de arte!
Consideradas “Obras Primas” pelos velejadores da Classe HC-14 e HC-16, os lemes produzidos pelo Flório, como era conhecido, são até hoje objetos de desejo não só por sua beleza mas, principalmente, por seu desempenho.

Vídeo “Memória vd 1960 dec esqui e construção da lancha – reeditado 2013 – Filme da série Recordar É Viver, década de 1960, esqui na represa do Guarapiranga e construção da lancha Bebel (eu mesma!) – por: Bebel.

Vídeo “Semana do Patrimônio Histórico – O Olímpico de Flório Zotarelli” onde, além de relatos sobre o desenvolvimento da represa de Guarapiranga, de seu entorno e, em especial, do Estaleiro Flório, também relata a reforma do veleiro Pandora (BL 14) – por Gilson Domingues.

Documento do veleiro Bwana (Old Vicky) – BRA 3912 – ano 1957 – com assinatura do próprio Flório Zotarelli no certificado da Classe Star:

Espero que tenha gostado pois, cada embarcação clássica tem uma história única para contar e que pode servir de referência e consulta para historiadores, pessoas e instituições interessadas, antigos e novos proprietários e o público em geral, promovendo assim a rica e as intrigantes histórias associadas a esses clássicos e preservando e aumentando assim seu significado cultural para as gerações futuras.

Bons ventos!

Max Gorissen
Velejador. Escritor.


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