Gabirú volta a navegar e a participar de regatas

A minha história da compra do Veleiro Gabirú Sharpy vem se formando faz alguns anos.

Tudo começou quando estava escrevendo uma matéria para a SailBrasil sobre os Sharpies e conversei com o Gustavo Pacheco que, além de me contar muito da história desta classe e fornecer vários materiais, me disse que o veleiro do saudoso Antonio Luis Galvão do Rio Apa (falecido), o Gabirú Sharpy – numeral BL-654, construído pelo estaleiro Flório em 1956 estava a venda em Niteroi – RJ e me passou o telefone do Luiz Amaro Veiga, com quem o Rio Apa velejou por vários anos, informando de que ele poderia me passar maiores informações.

Na época estava totalmente comprometido com reformas e melhorias no Gaia 1, meu FyC 40 1987 e, apesar de interesse, não tinha como comprar outro veleiro.

Como sempre digo que acontece com veleiros antigos, não é você que escolhe o veleiro e sim o veleiro que te escolhe e, o Gabiru, certamente me escolheu como seu próximo cuidador, afinal, na verdade, você nunca é dono de um veleiro… você apenas cuida dele para as próximas gerações.

Para não me alongar na história, em março de 2024 decidi, com base nas premissas que considero fundamentais na compra de um veleiro clássico (veja descrição acima), de que eu seria seu próximo proprietário… então, entrei em contato com o Luiz que me informou de que o veleiro ainda estava a venda e pedi que me mandasse fotografias (ver abaixo)… bom, para resumir, dia 13/03/2024, comprei o veleiro e, dia 17/04/2024, depois de um trabalho fantástico do Luiz Amaro Veiga, a quem agradeço, por ter resolvido diversas pendências que naturalmente surgem com um veleiro que está há 12 anos guardado sem uso em uma marina, o veleiro foi entregue na minha residência em São Paulo para uma reforma antes de voltar para a água, agora doce, da represa de Guarapiranga.

Fotos tiradas por Luiz Amaro Veiga dentro do galpão onde se encontrava o Gabirú e com as quais baseei minha decisão de compra.

Segue abaixo a reforma do Gabiru, mas antes, algumas considerações:

Eu defini muito cedo uma filosofia, ou premissas/características, muito claras para quando tivesse de adquirir um veleiro clássico de madeira, dos quais sempre fui apaixonado.

Ciente de que todo veleiro de madeira precisará obrigatoriamente de algum tipo de reforma ou restauração, determinei de que somente adquiriria um veleiro clássico se este possuísse três características: 1. Possuir um designer famoso, 2. Ter sido construído por um estaleiro famoso, e 3. possuir alguma história que o destaque. Caso contrário, a compra, o investimento e o projeto como um todo, no meu entender, é uma perda de tempo e recursos.

O Sharpie 12 m² “Gabiru” de 1956, possui um pedigree que atende às três características:

  1. Designer Famoso:

Seus designers foram Karl Kröger, Hans Kröger e Walter Brauer da “Yacht und Bootswerft Gebr.Kröger” que, em 1930, venceram o concurso promovido pela “Associação Alemã de Vela” (DSV – Deutscher Seglerverband) de desenvolvimento de um novo modelo de barco. O veleiro proposto pela DSV, deveria ter 12 metros quadrados de área velica, ser fácil e rápido de construir e, se possível, acessível (econômico).

Após avaliação da comissão, que analisou os projetos de 34 concorrentes, os três receberam o primeiro prêmio com seu projeto do Sharpie 12 m², o que foi decisivo para o futuro do estaleiro, já que, com a vitória, este se tornou famoso e recebeu, de uma só vez, 8 encomendas da Grã-Bretanha e outras 10 da Alemanha.

O sucesso do modelo foi tamanho que, no final da temporada de 1931, 28 veleiros Sharpie 12 m² já tinham sido registados no DSV e, um total de 39 veleiros Sharpie 12 m² tinham sido exportados para a Grã-Bretanha e Holanda, com outra dezena de licenças de construção emitidas para os países citados, e para o Brasil (em 1932) e para a Turquia, que também demonstraram interesse pelo veleiro.

O Sharpie 12 m² de nome “Gabiru” foi construído em 1956 com base nos planos originais trazidos ao Brasil sob licença.

  1. Estaleiro famoso:

O Gabiru foi construído pelo estaleiro Flório, de São Paulo, dirigido pelo Senhor Flório Zotarelli que, com mais de 400 barcos fabricados ao longo dos anos, muitos outros reformados e, uma infinidade de trabalhos de marcenaria náutica (leme, mastro, retranca, remos etc.), foi um dos mais respeitados e conhecidos estaleiros utilizados pelos velejadores da Guarapiranga. Também construiu diversas lanchas de passeio.

  1. Uma história que o destaque:

O Gabiru foi mandado construir por um velejador do SPYC no ano de 1955 para (relatos indicam) participar das Olimpíadas de Melbourne de 1956, único ano em que a classe Sharpie 12 m² foi olímpica (na olimpíada seguinte foi substituído pelo Flying Dutchman), contudo, infelizmente, acabou não dando tempo de o veleiro ficar pronto para ser enviado à Australia.

Ativo desde 1956, o Gabiru foi várias vezes Campeão Estadual (São Paulo e Rio de Janeiro) e 5 vezes Campeão Brasileiro (1978, 1979, 1980, 2014 e 2015) da Classe Sharpie 12 m², entre outros campeonatos brasileiros.

É um dos poucos Sharpie 12 m² sobreviventes e, tirando um lapso de 8 anos em que ficou “abandonado” em uma marina em Niterói-RJ devido a morte de seu proprietário, depois da reforma que estou realizando, voltará a navegar e participar de regatas de clássicos pelo Brasil.

Gabiru, tripulado por Max Gorissen pai e filho (proa), participando da Regata de Abertura 2025 na Represa de Guarapiranga – SP.

Hoje chegou o “lendário” Sharpie 12m² Gabiru (BRA 654) que adquiri da família do saudoso Sr. Antônio Luís Galvão do Rio Apa.

  • Gabiru - Foto: Max Gorissen

Agora, inicialmente, é essencial realizar uma vistoria completa do veleiro e, pelo que parece, pois o veleiro está em excelentes condições, alguma pequena reforma para garantir sua integridade antes de voltar para a água, agora doce, da represa de Guarapiranga em São Paulo.

Nos últimos dois dias, retirei todas as peças e ripas do piso do Gabiru… muitos parafusos, por causa da oxidação dos metais, tive de cortar com a serra circular… foi tudo catalogado e ensacado.

Para quem gosta de reforma de veleiros de madeira… estou, pacientemente, retirando toda a massa, cola, fibra, tinta e sujeira acumulados nas taboas do fundo, mata-junta e cavernas do Gabiru Sharpie acumulados nestes últimos 68 anos.

Também retirei todos os reforços longitudinais que existem entre as cavernas pois estavam “soltos” … o problema é que estavam parafusados às madeiras do casco por fora e, como o veleiro foi totalmente fibrado por fora, não tenho como retirar os parafusos quebrados… estou analisando a solução (e aceito ideias) … talvez colocar cavilhas de peroba ou cedro (madeiras originais usadas na construção) nos reforços coladas com epóxi deixando os parafusos no lugar para não danificar a madeira do casco? Ou deixar os parafusos quebrados e só colar os reforços com epóxi? Ideias?

O que mais está dando trabalho é tirar a fibra ao redor da caixa da bolina e na junta ao longo do mata-junta da quilha. Não sou contra aplicar fibra como medida paliativa em um veleiro de madeira antigo, pois entendo perfeitamente os motivos que levam alguém a fazer isso para resolver o problema de vazamento ou um problema estrutural, contudo, para quem está reformando, dá um trabalho “desgraçado” retirar a fibra sem danificar a madeira que está por baixo …, mas, como dizem, “it is what it is…”

Também identifiquei uma borboleta que serve de reforço estrutural no meio da caixa da bolina que deve ter sido incorporada ou trocada nos últimos anos pois ela é de “madeira compensado” (é a única deste material) e, pelo projeto do Sharpie 12 m² original de 1944 usado no Brasil (veja foto dos planos ao final), só eram permitidas “tábuas” de madeira de peroba ou cedro (no Brasil). A decisão de trocar o compensado, mesmo porque já está bastante desgastado, neste caso, fica fácil.

Contudo, agora estou vivendo um dilema… as madeiras da caixa da bolina, depois de tirar a fibra que as cobriam, apresentam bastante desgaste e vãos que serão difíceis de fechar (e por onde vai entrar água) … meu emocional me está levando a desmontar a caixa da bolina enquanto, meu racional, me diz para não mexer nessa encrenca (e voltar a fibrar) … veremos …

Como podem ver pelas fotos, acabei decidindo pelo certo; retirar a caixa da bolina e restaurá-la arrumando e fechando os vãos que permitiam a passagem de água e o motivo do dono anterior ter fibrado a caixa … bem, a decisão foi fácil … a execução, nem tanto!

O problema é que os parafusos, uma vez soltadas as porcas, não se mexiam … com muita martelada consegui fazê-los baixar um pouco, mas a partir daí travaram … tentei de tudo; aquecer, resfriar, WD-40, punção, “reza braba” … nada! Não se mexiam e já começava a ficar com medo de acabar danificando a quilha (madeira ao longo do fundo do veleiro). Preferi perder a madeira da caixa da bolina à madeira da quilha, mesmo porque, se danificar a madeira da quilha, terei de praticamente desmontar e reconstruir o veleiro.

Depois de muita análise, a solução foi entalhar com o formão ao longo dos parafusos para soltá-los … novamente, a decisão foi fácil, difícil foi executar! Isso porque, a parte inferior da caixa da bolina é feita com madeira Peroba, uma das mais duras e resistentes das madeiras… foram praticamente 12 horas na posição que apareço nas fotos, talhando canais ao longo dos parafusos que, como podem ver, oxidaram criando uma camada de azinhavre que “se fundiu” à madeira, motivo por não se moviam …, mas valeu a pena todo o esforço e trabalho para salvar a madeira da quilha que, mesmo depois de 68 anos, está perfeita!

Um parêntese; estou impressionado com a qualidade dos materiais e da construção do Gabiru … já conhecia o tralhado do antigo Estaleiro Flório Zotarelli através dos maravilhosos lemes de madeira que ele construía para os Hobie-Cat (tive um HC-16 chamado “Bad Max” no final dos anos 90), mas, este veleiro, foi uma agradável surpresa pois foi construído de maneira apurada, parruda e com os melhores materiais! É simplesmente uma obra de arte!

Bem, tirei a caixa da bolina e agora seguem os trabalhos com a construção de uma nova usando as mesmas especificações e os mesmos materiais detalhados nas plantas do Sharpie 12 m2 aprovadas para o Brasil pela “Heavy Weight Sharpie International Class Association”: Peroba na parte de baixo da caixa da bolina e Cedro na parte de cima.

A reforma do Gabiru vai de vento em popa com bastante trabalho manual e de força que, no atual momento da reforma, se disfarça “visualmente” em pouco resultado, já que, ainda continuo retirando e limpando partes do veleiro e removendo muita tinta e resina velha.

Contudo, a reforma vai andando conforme previsto e, em paralelo, várias etapas foram sendo realizadas, como o reparo e polimento de ferragens (pelo Renato Meier no Guarujá) e o conserto da capa (adicionando um pedaço de lona) e a lavagem e o reparo das velas (pelo Mário Buckup em SP).

Tive de abrir duas “passagens” no deck para ter acesso à proa pois a entrada pelo cockpit é muito estreita e não permite que alguém do meu tamanho a inspecione e nem realize trabalhos e reparos a partir de determinado ponto. Após abrir, verifiquei que tudo está OK na proa e os buracos irão facilitar os trabalhos que preciso realizar na área.

Finalmente consegui tirar os bailers e verifiquei que a madeira em torno está podre e terá de ser substituída. Como não vou trocar toda a taboa de peroba (duas taboas de 6 metros), decidi cortar a parte onde foram feitos os buracos para os beilers retirando a madeira podre e fazendo posteriormente dois “chanfros” em cada taboa, um em cada direção (proa e popa), na proporção de 8:1 (para cada altura o chanfro terá 8 vezes). Vou esculpir na nova madeira (também peroba que vou usar da caixa da bolina antiga) o formato dos bailers para que encaixem perfeitamente, garantindo assim, a resistência do casco e resolvendo o problema de infiltração.

Finalmente comprei a madeira da parte inferior para a caixa da bolina e mandei cortar e aparelhar nas medidas 14 x 104 x 4 cm. Acabei trocando a Peroba por uma linda madeira Cabreúva-Vermelha, também conhecida como madeira bálsamo, uma madeira de densidade alta, dura ao corte, alta resistência ao apodrecimento e uma cor avermelhada que gostei muito.

Esta foi uma semana de muita lixa na preparação da bolina, da caixa do leme e dos reforços longitudinais instalados entre as cavernas. Também fui ao Guarujá para buscar tinta e pegar as peças polidas, principalmente os novos parafusos (14 na medida 5/16 x 190 mm e 4 na medida 5/16 x 110 mm) para a caixa da bolina que mandei fazer em Aço Inox 304.

Bolina: Um trabalho que estive enrolando, mas que não dava mais para evitar foi restaurar a bolina. Tive de retirar a tinta antiga e retificar a parte que estava com ferrugem. Após dois dias de trabalho, finalmente pintei com Condur EPA 632 Primer, um revestimento anticorrosivo epóxi poliamida de dois componentes. Agora é lixar novamente para futuramente aplicar a tinta de acabamento na cor Oyster White, a mesma cor que será pintado o casco.

Caixa do Leme: Depois de desmontada, lixei com cuidado a caixa do leme, evitando danificar a superfície e as marcas do tempo, que são parte de sua história. Agora preciso fechar e refazer alguns furos com “cavilhas de madeira” e epóxi para depois voltar a fazer os furos dos parafusos. Uma vez garantida a rigidez da caixa, vou envernizar e montar tudo novamente com parafusos de aço inox novos.

Reforços longitudinais: Pode parecer simples retirar, limpar, lixar e voltar a instalar os reforços longitudinais, contudo, o processo é muito trabalhoso. Primeiro tive de retirar a tinta antiga, tanto dos reforços quanto do casco onde estavam colados e parafusados. Os parafusos que são de latão, simplesmente quebraram… bem, retirar a tinta também não foi fácil e depois de muitas horas na lixa ficaram bem melhores. Não me preocupei em retirar toda a tinta, me contentando em que ficassem lisas pois serão pintadas novamente. Depois de limpar todas as superfícies com solventes, colei os reforços com Condite 510 Gel, um adesivo epóxi de dois componentes.

Depois de umas semanas sem trabalhar no Gabiru por causa de uma dengue e de ferias velejando em Paraty, consegui finalmente encontrar as madeiras especificadas no projeto original (decidi por usar o cedro e a peroba em vez das que havia encontrado- ver 29/06/2024 acima) para construir a nova caixa da bolina… com base no projeto e na antiga caixa, cortei as madeiras, fiz os furos e montei a nova caixa para me certificar de todos os encaixes… agora uns ajustes e logo vou finalizar e instalar no veleiro.

Outra semana produtiva na reforma do Gabiru. Terminei a caixa da bolina… contudo, os puristas me perdoem, introduzi o que considero uma melhoria no seu design… explico; como é comum existir vazamentos pelas junções da caixa da bolina onde, no projeto original, a madeira precisa absorver água e “inchar” antes de vedar e tornar-se estanque, procedimento normalmente executado colocando o veleiro na água no dia anterior e tirando a água no dia da velejada, decidi resolver o problema construindo uma “camisa de fibra de vidro” por dentro da caixa da bolina. Como o casco já foi fibrado, tudo que tenho de fazer agora é estender a laminação da fibra do casco para passar e vedar por dentro da saída da bolina, como em um envelope, vedando o contato da madeira da quilha do casco com a água, fazendo do veleiro totalmente estanque. Se não tivessem fibrado o casco do Gabiru, não teria feito a “camisa”, contudo, isso facilitará em muito o uso do veleiro que, a qualquer momento, poderá ser colocado na água sem preocupação com a necessidade de a madeira absorver água para tornar-se estanque. Vejam todo o procedimento nas fotos abaixo…

Esta foi uma semana de preparação para avançar com a laminação das partes do casco onde existiam problemas de delaminação da fibra-de-vidro (dá para ver as bolhas ao longo da quilha nas fotos – a quilha em um dinghy Sharpie é a madeira longitudinal central ao longo da parte inferior do casco) e também aumentar o tamanho da saída da bolina na quilha no casco … foram dias de muito trabalho e esforço pois, além de lixar todo o casco com lixa 40 e depois 80, além da sujeira, cortar a madeira Peroba exigiu muita força e concentração… a Peroba parecia “pedra”! … tive de fazer muita força para avançar milímetros com a serra tico-tico… demorou quase 1 hora para fazer dois cortes de 90 cm ao longo do corte anterior (aumentei o tamanho de 1,5 cm para 2,4 com pois vou colocar fibra, tipo envelopamento, no interior).

Além disso, tive de desenvolver um sistema para virar o veleiro sozinho… para isso, um conjunto de moitões para veleiro de oceano da Harken que peguei no meu veleiro Gaia 1 e uma talha manual de 1 tonelada, ajudaram no serviço. Muito trabalho por aqui… cada coisa que mexo, acho um novo problema… e conserto! Logo-logo resolvo todos!

Terminei lavando toda a garagem, incluindo o veleiro e tudo que estava perto, como os carros, paredes e peças do veleiro … trabalhão! … mas agora está tudo preparado para trabalhar com a fibra.

Fica claro olhando as imagens de que o buraco no casco de bombordo estava desalinhado, estando um pouco mais atrás (provavelmente os buracos foram cortados por dentro do veleiro no “olho” quando instalados). Além disso, um dos bailers foi instalado com uma contra chapa externa e o outro não, o que muda toda a furação… vai entender.

Para corrigir o problema, mais por estética (é terrível ser perfeccionista!), refiz e aumentei a furação do buraco de bombordo e o completei com madeira cedro, mesma madeira das taboas do casco (com exceção da quilha que é de peroba), alterando assim a posição do bailer de bombordo, o que pode ser facilmente identificado nas fotos pelas ripas de madeira mais clara. Agora os dois estão alinhados… Também fechei o buraco do Bujão de metal original que ficava no espelho de popa que, com os bailers, não é mais necessário.

Agora, repare na foto as ferramentas usadas, sem contar a cola epóxi que precisa ser misturada (resina e endurecedor), tudo, para fazer esses simples reparos… incrível!

Só a título de informação; os bailers funcionam pelo efeito Venturi e, quando abertos, durante a velejada de “popa”, drenam automaticamente a água por sucção. O efeito Venturi ocorre em sistemas fechados quando um fluido com velocidade constante escoa dentro de um duto uniforme. Temos que em um determinado momento há a redução da pressão do fluido por um estreitamento da tubulação (bailer), este fator diminui sua pressão e aumenta a velocidade… mais uma coisa solucionada antes de proceder ao reparo da fibra do casco.

Várias coisas aconteceram esta semana na reforma do Gabiru… tudo para finalizar e instalar a caixa da bolina:

  • Fiz a furação dos 14 furos para os parafusos de aço inox 304 que prenderão à caixa ao casco. Devido à dureza da madeira, não tinha como fazer essa furação usando uma furadeira amadora. Tive de achar uma furadeira horizontal profissional que, por possuir um guia linear, permite fazer furos retos. A madeira é tão dura que a broca somente entrava com grande esforço na alavanca, o que produzia uma grande quantidade de fumaça. O interessante é que, como fiz a furação com base no local exato dos furos no casco, todos os furos estão desalinhados, ficando claro que o pessoal do estaleiro, na época, fez o alinhamento para a furação dos parafusos a partir do topo da madeira da caixa da bolina e, provavelmente, com uma furadeira manual, tinham controle de onde furar, mas não de onde sairia a broca. Como parti da furação existente no casco, os furos no topo da madeira ficaram desalinhados… vou cobrir futuramente com uma madeira de acabamento… bem, são coisas que acontecem ao reformar um veleiro de quase 70 anos.
  • Fiz o “envelopamento” da saída da bolina pelo casco. Para isso, usei uma madeira guia (branca) em formato “T” instalada por dentro e que permitiu que preenchesse com fibra e epóxi o vão que deixei de espaço para apoiar a caixa da bolina.
  • Para não ter atrito da fibra da caixa da bolina com a fibra do “envelopamento” da saída da bolina no casco, fiz uma camada de borracha cortando uma câmara de pneu. Assim, além de evitar o atrito, a borracha fará de “colchão”, impedindo que o Sikaflex que vou usar para vedar fique muito fino entre as peças.
  • Também reformei algumas madeiras que estavam podres, como a caverna na qual cortei um pedaço em “V” e substituí a parte podre por uma nova e, fiz o “envelopamento” das saídas dos bailers no casco, fechando o buraco com epóxi reforçado e esculpindo para que encaixassem perfeitamente.

Semana que vem instalo a caixa da bolina.

Semana de trabalho que exigiu muito dos braços e da coluna, pois tive de realizar diversos “contorcionismos” com o corpo para chegar nos lugares que precisava mexer… bem, resumindo; além de instalar mais algumas madeiras de “reforço estrutural”, como o “V” na proa que se vê na segunda fotografia e onde será parafusado o fuzil do estai de proa, ou a pequena prateleira no costado, pintei todas as cavernas do interior do veleiro com tinta Conthane Yacht Finish ACR Oyster White (Coninco) de dois componentes epóxi. Essa pintura Oyster White, que usei anteriormente no forro do teto do Gaia 1, substituiu o cinza utilizado antes nas cavernas e ficará por baixo das ripas do piso do interior. Para quem conhece estes veleiros, saberá que foi na pintura que realizei os maiores contorcionismos pois a proa e a popa são muito estreitos e praticamente só cabe meu corpo… bem, continuando, instalei a caixa da bolina, o que deu mais trabalho do que o esperado, mas finalmente terminei esta etapa que para mim era um marco da reforma.

Agora é construir ou finalizar em madeira as novas peças e os acabamentos, como o suporte do traveller da mestra, que tem incorporado o acabamento da caixa da bolina, junto com uma madeira estrutural de travamento na qual será instalado o traveller e que aparece na última foto.

Hoje, o Gabiru mostrou seus 70 anos de vida na ativa… é importante destacar de que, como o veleiro foi muito bem construído usando madeiras de qualidade, são poucas as madeiras que encontrei podre…. Mesmo assim, como faço sempre, fui conferir e revisar todas as estruturas para poder montar o suporte do traveller e o acabamento da caixa da bolina e, à medida que fui mexendo nas anteparas de madeira da caverna 5, elas foram quebrando… não somente estavam podres, mas deu para perceber que 70 anos de intenso esforço concentrado nestas madeiras, em seus parafusos e pregos, destruíram sua rigidez e, no caso dos metais, suas propriedades metálicas.

Só para explicar, as anteparas são madeiras cortadas em formato triangular que, dentre outras aplicações, proporcionam um apoio muito rígido na junção do deck com o costado do casco e, na área próxima à caixa da bolina, onde sofre maior esforço devido às forças de torção que o casco sofre durante a velejada, tem a função de manter a forma e a rigidez do casco.

As longarinas também estavam bastante danificadas no local onde foram originalmente pregadas e, posteriormente, com os anos, parafusadas. Uma delas, a de estibordo, quebrou ao meio ao tentar tirar pois os pregos e parafusos não saíam e tive de forçar… vou cortar na medida duas novas de madeira peroba e substituir.

Bem, não é nada de trágico… retirei todas e, depois de “remontá-las”, vou usar para servir de molde para desenhar e cortar uma nova madeira Peroba, conforme indicado nos planos originais, e que, depois de instalado com novos parafusos e cola epóxi, irão garantir outros 70 anos de velejadas seguras.

Esta foi uma semana de trabalho de “artesão” pois construí e instalei vários componentes estruturais e de acabamento, além, é claro, de novas peças já que, depois de 70 anos de intenso esforço concentrado em algumas madeiras, algumas haviam perdido sua rigidez e até mesmo estavam “esfarelando” e, seus parafusos e pregos, com o constante contato com a água, haviam perdido suas propriedades metálicas.

É um trabalho de artesão pois, cada componente tem de ser medido, cortado e, depois de passar por inúmeras idas e vindas, novamente cortando, lixando, montando e desmontando no lugar para garantir um perfeito encaixe, a peça tem de ser colada e parafusada ajustando para que esteja nivelada… bem, basicamente, retirei todos os componentes danificados e, depois de “remontar” os que haviam quebrado ou estavam em muito mal estado, os usei para servir de molde para desenhar e cortar novos, sempre checando e seguindo as indicações nos planos originais para que, depois de instalado com novos parafusos e cola epóxi, garantam outros 70 anos de velejadas seguras. Além disso, instalei os baillers e o veleiro “teoricamente” voltou a ficar estanque… ainda falta muito trabalho para terminar, mas, a cada novo componente que construo e instalo, fico contente pois o barco vai retomando as características que fazem deste casco um veleiro.

Depois de um mês sem trabalhar no Gabiru, chegou a hora de virar o veleiro para finalizar o casco. Contudo, antes de aplicar a pintura final, uma série de trabalhos precisam ser realizados para deixar a superfície pronta para o acabamento.

A primeira etapa dos trabalhos foi laminar a quilha (madeira central do veleiro) com tecido de fibra de vidro e epóxi sobre a madeira exposta. Trabalho realizado, como havia sobras de tecido onde ainda existia tinta no casco, cortei as sobras e, para fazer um acabamento no “degrau” formado pela espessura do tecido com a superfície do casco e ficar tudo liso, apliquei massa epóxi microbal (cor avermelhada na foto) na junção. Próximo passo, semana que vem, fica o trabalho de lixar o casco para deixar tudo bem liso, antes de aplicar o primer epóxi e a tinta.

Outro trabalho realizado foi começar a tirar parafusos velhos e lixar os vários componentes da mastreação, peças e acabamentos … lixar é um trabalho de paciência e de muito braço! … é um trabalho que não anseio por fazer, afinal, qualquer pessoa que já lixou peças de barco envernizadas ou pintadas, com aquele verniz “velho”, grosso, de várias camadas, já cor alaranjado e marrom ou acinzentado, que já penetrou nos poros da madeira e resiste em sair, sabe o trabalho que dá! … Contudo, uma vez lixado, vendo a cor da madeira original aparecer, todo esforço é recompensado.

Próximos trabalhos: mais madeiras para lixar, entre elas o mastro e a retranca da caranguejeira e, todo o casco para prepará-lo para a pintura…

Lixei o casco com lixas 40, 80 e 120… ao final do trabalho, uma garagem cheia de pó, mas o casco ficou lisinho… perfeito!

Aí decidi melhorar a qualidade do acabamento e, antes de aplicar a lixa 180 e o primer, dar uma mão de epóxi para dar mais uma nivelada na superfície… bem, com a chuva e o excesso de umidade desta semana, deu problema no epóxi… como não adiante reclamar, já tirei o grosso do epóxi na espátula – trabalhão – e agora vou esperar o tempo ficar mais seco para lixar novamente… um passo adiante e um para trás… mas mantendo o movimento!

Finalmente, depois de muita lixa para tirar o epóxi com problema, agora que aprendi a lição de não mexer com epóxi com umidade inferior a 80%, dei a primeira mão de primer epóxi Condur SP 350 bicomponente.

Foram praticamente 6 horas lixando o casco e só consegui tirar o epóxi com problema usando a esmerilhadeira com um disco de removedor sólido de fibra sintética, resina e carbureto de silício que não agride a superfície. Finalizei o acabamento com lixas 40, 80, 120 e 180, veja na foto. Todo o processo de lixa produziu uma grande quantidade de poeira que cobriu toda a garagem… tremenda faina limpar tudo isso!

Também trabalhei na nova retranca, cortando a mesma na medida dos planos e ainda confirmando a medida com a vela instalada antes de cortar, para então talhar no formão a madeira para receber as peças originais de bronze naval. Estava preocupado pois nunca havia talhado madeira com formão, mas fiquei muito contente com o resultado do meu trabalho amador!

Agora é esperar o tempo melhorar para mais uma demão de primer no casco e para poder envernizar a nova retranca.

Casco e bolina finalizados com as duas demãos de tinta Conthane Yacht Finish ACR de dois componentes epóxi na cor Oyster White.

Foram ao todo duas demãos de primer epóxi Condur SP 350 bicomponente e duas de tinta.

Tirando as cicatrizes dos anos que claramente podem ser vistas no casco, mesmo depois de tanto lixar, mas que para mim não importam pois demonstram caráter e história, a pintura ficou perfeita!

Além disso, como durante estes dias o tempo esteve ruim, aproveitei para lixar (lixa 40 finalizando com 180): o mastro, a retranca, a carangueja, as ripas do piso do cockpit e todas as outras madeiras que desmontei do veleiro… assim que cumprir o prazo de 8 dias para cura total da tinta Oyster White do casco, vou virar o veleiro e começar a montar tudo… mas antes, tenho de envernizar todas as madeiras que lixei!

Iniciei a semana pintando o mastro, a retranca, a carangueja, as ripas do piso do cockpit e todas as outras madeiras que desmontei do veleiro… a garagem estava entulhada de madeiras suportadas por escadas e varais de alumínio… uma estrutura bem amadora, mas que funcionou perfeitamente.

Tudo seco, tirei tudo da garagem para virar o casco do veleiro. Então envernizei a caixa da bolina que ficou, a meu ver, depois de tanto trabalho, maravilhosa! Nem eu acreditei!

Por fim, lixei todo o deck e passei massa de calafetar nos buracos para que fique tudo liso para a aplicação, semana que vem, das lâminas de madeira Cedro Rosa que já comprei em uma loja do Largo da Batata, em São Paulo. Comprei 17 lâmina de Cedro Rosa na medida 2,99 cm x 0,44 cm que, depois de aparado, ficou com 2,99 x 0,41 cm.

Como dizem; a ignorância é uma dádiva! Se soubesse a dificuldade e o trabalho que dava cobrir o deck do Gabiru com a lâmina de madeira, simplesmente teria pintado!

A semana começou com chuva, o que só me permitiu trabalhar a partir de quinta-feira pois todos os materiais utilizados são a base de epóxi (a umidade estraga o produto).

Basicamente, lixei novamente a massa epóxi que havia passado semana passada no deck e passei novamente massa para deixar o deck liso. Ao mesmo tempo, comecei a cortar no formato e na medida, as lâminas de madeira Cedro Rosa (com sobra na parte externa do deck). Uma vez confirmado o formato e as juntas tendo ficado bem unidas, grudei uma lâmina na outra com fita crepe azul. Dividi o deck em 4 áreas (proa, bombordo, estibordo e popa) para organizar e facilitar a colagem, que é bastante complicada.

O próximo passo foi proteger o casco e o chão da garagem com lona plástica preta. Comprei 16 metros de lona com 4 metros de largura e “envelopei” o casco, esticando a lona para proteger o piso da garagem e incluir mais uma área forrada no chão para passar uma mão de Condite 210, adesivo impregnante epóxi, no lado interno das lâminas e no casco lixado, para “selar” a madeira.

Depois de deixar secar por 3 horas, fui misturando lotes pequenos de Condite 510 Impregnante, um adesivo impregnante epóxi, passando nas lâminas e no casco uma fina camada com rolo de lã de carneiro para uma vez toda a superfície ungida, colocar um sobre o outro para colar.

O problema é que o tempo de “cura” (vida útil da mistura: 15 min a 25ºC) é de aproximadamente 15 minutos e, por este motivo, tinha de trabalhar rápido pois a mistura vai aquecendo e endurecendo, o que torna o produto inutilizável.

Com uma espátula, pressionei e deslizei a superfície para retirar o ar que fica entre a lâmina e o deck e garantir que ambas as superfícies fiquem coladas, o que não foi nada fácil pois sempre tinha um pedado que, por algum motivo, não grudava… foram 3 horas de trabalho sem parar! Bom, agora que tudo passou, fico contente de minha “ignorância”, pois já dá para ver que, uma vez aparado os excessos de lâmina, lixado e envernizado, o deck vai ficar maravilhoso!

Após dois dias de chuvas em Paraty, onde preparava o Gaia 1 para o verão, retornei à São Paulo para dar continuidade aos trabalhos no novo deck laminado do Gabiru… finalmente parou de chover, o que permitiu concluir a colagem dos pontos em que a lâmina de Cedro Rosa não havia colado bem e passar massa de madeira nos locais em que ficou uma fenda no acabamento das lâminas. Satisfeito com meu trabalho amador, dei uma lixada bem fina em tudo que iria envernizar e pintei a primeira mão com Verniz Schooner. Adorei a cor que fulgiu entre a madeira Cedro Rosa e o verniz. Ainda faltam mais quatro demãos, mas já dá para ver como vai ficar.

Um marco importante na reforma do Gabiru: Iniciei a montagem do veleiro!

Sim, após meses de reforma, finalizei a pintura e iniciei a montagem do veleiro, já tendo, como se pode ver nas fotos, montado o mastro, a retranca, a carangueja, a bolina, o estrado do porão e a caixa do leme.

Durante todo este processo, estou tendo de identificar e decidir o que fica e o que troco das peças que vieram com o veleiro: manilhas, moitões, cunhos, mordedores, alças, roldanas, cupilhas, cabos de aço, passa cabos e cabos (escotas, adriças e diversos cabos de vários tamanhos) … e, além destes, analisando os vários acessórios originais feitos em Celerom e que, depois de 68 anos de uso, precisam passar por uma restauração.

Quem acompanha a reforma, vai perceber de que mandei “Cromar” (Cromeação Schnyder) várias peças de latão que já haviam perdido sua cor de cobre. São estas: o garlindéu (retranca) e seu apoio no mastro, o suporte/esticador do estai de proa e a trava da cana de leme. Agora todas as peças ficam com a cor do aço inox em vez de várias cores de metais.

Fiquei muito contente com a cor Oyster White que escolhi para pintar o casco e o porão e que deu um charme “clássico” ao veleiro ao matizar com a cor da madeira Cedro Rosa envernizada (verniz Schooner) usada no deck e na construção original do veleiro. Também decidi, usando a mesma tinta, pintar um detalhe Oyster White nas extremidades do mastro, retranca, carangueja, cana de leme e nos dois paus de spy, o que deu um determinado “glamour” ao conjunto.  Em breve, mais avanços, contudo, até lá, dada a época do ano, desejo um Feliz Natal e Bons Ventos!

Gabiru montado, somente faltando detalhes e ajustes … quase tudo novo ou restaurado… em breve vai para a água!

Ontem, levamos o Gabiru para seu novo domicílio; o SPYC, na represa da Guarapiranga em São Paulo. Foi uma volta às origens já que o Gabiru foi mandado construir no ano de 1956 por um sócio do SPYC, onde participou de suas primeiras regatas representando o clube.

Hoje, junto com meu filho, organizamos os cabos e montamos as velas do Gabiru. Um trabalho que parecia simples, se estendeu por 4 horas até entendermos para que serviam, por onde deveriam passar e como funcionavam cada um dos cabos e regulagens.

Por fim, já no final da tarde, ainda colocamos o veleiro na água para fazer o teste de estanqueidade, processo para checar se há ou não, a existência de um vazamento, passando com louvor pelo teste. Amanhã, se tudo der certo, vamos finalmente sair para velejar…

Meu filho Max e eu no Gabiru (classe Sharpie 12m² construído em 1956), participando da Regata de Abertura 2025 dia 09/02/2025 na Represa de Guarapiranga – SP. Ficamos em segundo lugar na Classe Sharpie – Créditos e Copyright das imagens: Will Carrara e SPYC e, duas tomadas durante a popa por Fabien Lerner:

Quer saber mais sobre o Gabiru e sua história desde o dia em que foi construído pelo estaleiro Flório Zotarelli – Guarapiranga – SP em 1956? Acesse sua página clicando aqui.

Espero que tenha gostado!

Bons ventos!

Max Gorissen


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