Deixo claro de que este artigo se trata de veleiros de madeira e de artesãos, homens (denomino genericamente o indivíduo da espécie humana independentemente de sexo) com o desejo e a visão de construir coisas maiores que eles mesmos, coisas que “viverão” depois de sua passagem por esta terra.
O Artesão
Comecemos por estes últimos, os Artesãos ou, no caso da construção de veleiros, os Marceneiros Navais, nascidos do humilde sonho de se tornarem indivíduos habilidosos no trato da madeira, audaciosos para desenvolver este mercado e determinados em mudar a percepção existente sobre o uso da madeira na construção de veleiros.
Você pode estar a se perguntar: o que leva alguém a se tornar um artesão, um construtor ou um restaurador de veleiros? Será o amor pelo mar? Será o desejo de criar ou reformar algo com suas próprias mãos? … ou talvez seja a beleza e o romance atribuídos à uma profissão tão nobre? …Uma profissão que deixa um legado para as próximas gerações, uma profissão que cria belas artes, uma profissão que depende de um talento, muitas vezes, de um talento genial, para que obras-primas sejam produzidas, não para decorar, mas para serem usadas e dar prazer. Sim, veleiros não foram concebidos para serem obras-primas, apesar de que muitos o são; veleiros foram construídos para serem usados e para se explorar o mundo. Nem que o mundo a que me refiro seja apenas um lago ou uma baía perto de onde o veleiro é guardado.
Infelizmente, com a produção em série de veleiros em fibra de vidro, nos últimos anos, estes artesões e construtores de veleiros desapareceram, contudo, mesmo sendo uma mão de obra escassa hoje em dia, com as mudanças nos hábitos das pessoas esclarecidas, principalmente fora do Brasil, que buscam alternativas para melhorar o mundo, a procura por artesões para construir veleiros de madeira tende a voltar a crescer. Só precisamos voltar a recrutar e a capacitar uma nova mão de obra para suprir esta demanda e a convencer as pessoas de que um veleiro de madeira é uma opção viável.
No Brasil, o exposto acima ainda não é verdade, contudo muitas pessoas estão se interessando pelos antigos veleiros de madeira. É só ver o crescimento da regata de Veleiros Clássicos acontecendo em paralelo às regatas das classes de veleiros modernos (ORC, IRC, RGS, HPE25, C30 entre outras).
Ainda assim, é uma pena que somente depois de vários desastres ambientais o homem percebeu de que precisa mudar, mas, ao mesmo tempo, que bom que a percepção das pessoas está mudando e o interesse por veleiros artesanais de madeira tende a voltar, afinal, não existe tenacidade maior do que aquela que faz com que se escolha um caminho de propósito, de significado e de dimensão tão grande quanto a de um artesão que constrói um veleiro, especialmente se este for de madeira.

A madeira como material construtivo
É interessante ouvir hoje em dia de que a madeira é considerada como o “material construtivo do futuro”, mesmo porque, sempre se construiu com madeira.
Isso por que, nos últimos 40 anos, percebeu-se, após o uso de outros materiais na construção de veleiros como a fibra de vidro, o ABS (Acrylonitrile Butadiene Styrene ou basicamente plástico), o alumínio, o ferro ou aço, o ferro-cimento e outros materiais exóticos (fibra de carbono, kevlar etc.), que o único material renovável para a construção de um veleiro é a madeira, já que, estes outros, não são nem renováveis e muito menos ecológicos. Como sabemos, podemos replantar árvores que, na sua grande maioria, mesmo cortadas, também se regeneram. Ou seja, as árvores são um recurso sustentável, renovável e infinito, “quando cuidadosamente manejadas”.
De acordo com a American Forest Foundation; “Os produtos de madeira armazenam carbono, ajudando a mitigar as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, fornecer uma boa alternativa para materiais que exigem grandes quantidades de combustíveis fósseis para serem produzidos”, como os descritos acima.
Infelizmente, no mundo náutico, quando o assunto é madeira, a maioria dos barcos usam na sua construção madeiras tropicais escassas, como a teca e madeiras de florestas antigas, como o Cedro, Douglas Fir, Iroko, Carvalho e Mogno Africano, opções não necessariamente sustentáveis devido ao lento crescimento da espécie e de seu alto custo de transporte.
Contudo, com os avanços tecnológicos, desenvolveram-se madeiras alternativas que incluem espécies de rápido crescimento de florestas certificadas sustentáveis e que, se usadas madeiras de origem local, diminui-se também a “Pegada de Carbono” (Pegada de Carbono é o cálculo da emissão total de gases de efeito estufa (GEEs), incluindo o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), associados atividades humanas no Planeta. A conta inclui as emissões que têm origem na produção, no uso e no descarte de produtos ou serviços).
Essas madeiras, alteradas termicamente ou quimicamente para melhorar suas propriedades, permite com que madeiras provenientes de árvores que normalmente não seriam consideradas uma boa escolha para a construção de um veleiro, são modificadas para substituir as madeiras mais desejáveis, caras e menos sustentáveis. Nestas, as propriedades da madeira são aprimoradas para incluir maior durabilidade contra a podridão, estabilidade, densidade e dureza e, além disso, tratadas, podem se assemelhar a madeiras mais nobres, como no caso de se desejar usar uma madeira com uma cor marrom-dourada que se assemelhe a teca.
Além da madeira, inovações no método construtivo também contribuem, como a técnica de Strip-planking, um método de construção de um barco de madeira usando tiras finas de cedro, sendo que cada camada tem a fibra da madeira em um sentido, formando ao final uma trama. Todas estas lâminas são coladas entre si com colas epóxi impregnante, que penetram na madeira e serve de material de aderência entre as madeiras. O resultado é um conjunto extremamente forte, leve e, ao contrário do que muitos pensam, a madeira é totalmente impermeável devido ao epóxi. Este método é chamado de laminação em “composites” e foi desenvolvido em grande parte pelos irmãos Gougeon, na década de 1960 e que, desde então, fabricam e fornecem nos Estados Unidos adesivos epóxi para construção naval com a marca West Systems.
Levando em conta esse desenvolvimento tecnológico da madeira, que inclui também a evolução dos métodos construtivos, por que não temos mais veleiros de madeira? Se somos tão atraídos por eles, por que pararam de ser produzidos há tanto tempo? A resposta mais comum: “porque demandam muito trabalho”.
Veleiros de madeira levam tempo para construir e ainda mais tempo para manter e, é por este motivo que você vê tantos barcos (não somente veleiros) de madeira “velhos” largados em vários estágios de abandono por todo o país. Além disso, nos últimos 40 anos, a esmagadora maioria dos veleiros “de produção em série” foram construídos em fibra de vidro, o que faz com que veleiros de madeira em bom estado sejam raros e possuam baixa procura no mercado.
Gostaria de ver o renascimento da tradição do uso da madeira na construção de veleiros e a volta da navegação nestes veleiros.
Max Gorissen
Então, por que você iria querer um veleiro de madeira? Bem, a mesma pergunta poderia ser feita de outra maneira; por que você quer uma estante em mogno? Sem tentar discutir todos os motivos, no caso dos veleiros, poder-se-ia afirmar de que, além de se possuir uma peça única e rara, existem qualidades na navegação de um veleiro de madeira que são muito superiores as de um veleiro de outro material.
Isso sem contar motivos mais subjetivos, como a afetividade (a madeira é um material cálido e vivo), a elegância que traz à sua vida, ou o orgulho que se sente em possuir algo exclusivo, não fabricado em série, mas pelas mãos de artesãos… basicamente, uma estante de fibra de vidro simplesmente não encanta ninguém! Com veleiros, excluindo raras exceções, o mesmo também é verdadeiro.
Outro motivo é seu custo. Quantas vezes já ouvimos: “Os veleiros de madeira são maravilhosos; adoraria ter um se a manutenção não custasse tanto”. Honestamente, sim, há custos significativos envolvidos em se possuir um veleiro “bem mantido” de madeira. Mas o equívoco generalizado é de que os veleiros de fibra de vidro custam menos.
Os veleiros de fibra de vidro são realmente tão baratos de manter? A resposta também é “sim”, se o que você quer fazer é negligenciar seu veleiro. Não há como negar de que a fibra de vidro pode suportar uma quantidade absurda de negligência. Mas se você quiser manter seu veleiro de fibra de vidro com a melhor aparência, “bem mantido”, isso também irá custar.
Vamos usar dois veleiros equivalentes como exemplo, um de fibra de vidro e um de construção strip-planking e epóxi de madeira (não o método tradicional dos antigos veleiros), ambos da mesma idade e mantidos em perfeitas condições (como deveria ser). Neste caso, posso afirmar, seus custos de manutenção serão praticamente idênticos.
Isso porque, a única diferença na manutenção entre esses dois veleiros será o acabamento do deck (parte superior) que, na realidade, é uma pequena parte da conta total de manutenção de um veleiro. Sendo assim, um veleiro de madeira construído tradicionalmente exigirá uma nova camada de tinta ou verniz a cada ano, enquanto um de fibra de vidro precisará de cera a cada ano ou uma pintura a cada 4 anos. No longo prazo, tudo isso terá quase o mesmo custo (lembre-se, não estou falando em trabalho e sim em custo).
Para ser justo, devo mencionar que, para que esta equação seja verdadeira, um veleiro de madeira deve ser mantido por uma pessoa que tenha conhecimento e experiência no cuidado de barcos de madeira.
O futuro
Vivemos em uma era interessante, na qual percebemos de que tudo que fizemos para “evoluir” nos últimos 50 anos tem causado um grande problema para o futuro da raça humana, ou seja, basicamente, estivemos exaurindo os recursos naturais e poluindo o planeta.
É também interessante observar de que as soluções propostas para se resolver o problema estão baseadas no que o homem já fazia antes desta revolução. Vou dar um exemplo: outro dia, percebi de que estava usando uma combinação das últimas tecnologias disponíveis para secar roupas, a eólica e a térmica: coloquei as roupas estendidas no varal para secar ao vento e ao sol.
Então, só com este exemplo, o que impede de voltarmos a construir e a usar veleiros de madeira?
Como dizem, alimento para o pensamento.
Autor: Max Gorissen

Artigo reproduzido da edição N° 9 da revista SailBrasil Magazine – março a agosto 2023 e com a autorização do seu autor e editor Max Gorissen – www.sailbrasil.com.br – Todos os direitos reservados.
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