A importação de veleiros usados no Brasil com a Portaria SECEX 160

Muito se tem discutido desde que foi divulgada a Portaria SECEX nº 160, de 16 de dezembro de 2021 e que alterou a Portaria SECEX nº 23, de 14 de julho de 2011, permitindo a importação de barcos à vela, motos aquáticas e jet-skis “usados” a partir de 03 de janeiro de 2022.

Basicamente, e de importância para o velejador, o que se obteve foram duas coisas diferentes:

1) a inclusão de barcos à vela (além dos outros tipos de embarcações mencionadas), mesmo com motor auxiliar, na Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum do Mercosul (LETEC) o que garantiu a isenção de tributos federais, especificamente a Licença de Importação (LI), para todos os interessados em importar veleiros “novos”, interessados estes podendo ser esportistas e empreendedores do turismo que utilizem suas embarcações como ativo econômico.

2) a possibilidade de importação de veleiros usados bem como motos aquáticas (jet skis) com até 30 anos de fabricação através da alteração de parte do artigo 42 da portaria acima e que passou a redigir: “XIX – de barcos à vela, mesmo com motor auxiliar, classificados no subitem 8903.91.00 da NCM, com até 30 (trinta) anos de fabricação, e motos aquáticas/ jet-skis classificados no subitem 8903.99.00 da NCM, para fins de turismo e esporte. (Inciso acrescentado pela Portaria SECEX nº 160 de 16/12/2021, efeitos a partir de 03/01/2022).” – texto copiado da Portaria sem edição.

Com a divulgação da portaria, os “palpiteiros de plantão” começaram a inundar as mídias sociais com informações e conjecturas, tanto a favor quanto contra, mas que, tendenciosos ou sem um entendimento do que a alteração da portaria propunha, só criou confusão.

Por este motivo, antes de continuar, gostaria de esclarecer quatro pontos:

  1. A medida é temporária e indeterminada, ou seja, se mantém enquanto surtir efeito;
  2. O foco do incentivo é desenvolver o turismo náutico, não necessariamente promover o aumento do número de embarcações novas ou usadas;
  3. Somente o veleiro “novo” (o zero km, fazendo uma alusão ao carro novo) obteve isenção de tributos federais, especificamente a Licença de Importação (LI);
  4. A partir de 03/01/2022 passou a ser permitida a importação de veleiros “usados”, com até 30 anos da data da sua fabricação, o que antes não era permitido, contudo, com pagamento de “todos” os impostos devidos.

Agora que esclareci estes pontos, para os “palpiteiros de plantão”, quero deixar claro de que não tenho intenção de reclamar aqui da medida, afinal, antes não podia importar veleiros usados e agora pode e, antes não havia isenção de imposto (LI) nos veleiros novos e agora tem.

Nesse sentido, já temos uma melhora. Meu objetivo é apenas esclarecer as principais questões sobre a medida, abordando sob diferentes pontos de vista, para que você possa entender o assunto e formar opinião.

Antes de discorrer sobre os benefícios da portaria para o velejador e para dar um direcionamento para a discussão, gostaria de listar alguns pontos que acho todos que apreciam a vela gostariam de ver esclarecidos:

A medida que libera a importação de veleiros usados, como informado anteriormente, tem como objetivo incentivar e desenvolver o turismo náutico, não necessariamente promover o aumento do número de embarcações novas ou usadas. Dessa maneira, um veleiro com mais de 30 anos não atenderia a referida mediada já que estes se enquadram como um veleiro clássico ou de época e, não necessariamente, contribui para o turismo náutico.

Poderíamos ainda tentar discorrer sobre o assunto tentando convencer as autoridades de que um veleiro Clássico ou de época, quando utilizado em regatas de veleiros clássicos, geram turismo através da utilização de hotéis, clubes e restaurantes na área da regata, contudo, com base no calendário de regatas de veleiros clássicos atuais e na constatação de que a Associação de Veleiros Clássicos nem mais existe, seria muito difícil modificar e aumentar o limite de 30 anos para incluir a importação deste tipo de embarcação.

É importante destacar um fato que muita gente não está levando em consideração. Qualquer compra ou aquisição de um veleiro de oceano, seja ele novo ou usado, vai precisar transportar para o Brasil. Isso, normalmente se faz “velejando” através do próprio proprietário ou através da contratação de um skipper profissional. Também existe a opção de trazer um veleiro como carga em um navio e esta modalidade, segundo informação coletada, custaria em torno de US$ 12.000,00 para um percurso Miami até Santos. No caso de um skipper profissional, sem contar alimentação, estadia, transporte aéreo (que tem de ser pago pelo proprietário seja de ida ou de volta), entre outros custos, é de aproximadamente US$ 15.000,00 a US$ 18.000,00 para o mesmo percurso do navio, Miami até Santos.

Isso é inviabiliza a aquisição de muitos veleiros que vemos na internet.

Que dá para fazer travessias em veleiros pequenos, isso já sabemos e existem várias pessoas que dão a volta ao mundo em um veleiro entre 22 e 26 pés, contudo, se somarmos os custos básicos necessários para se trazer um veleiro e que relaciono abaixo, aproximadamente US$ 21.400,00, qualquer veleiro de 26 pés no Brasil irá custar quase a metade disso. Ou seja, é consenso de que para se justificar trazer um veleiro usado o tamanho ideal começa em 36 pés.

Fazendo uma conta rápida, usando como exemplo um veleiro bem barato que encontrei na internet, um Catalina 36 1988 por US$ 47.500,00 e vendido em Miami (uso Miami por causa da proximidade da Florida, são: 4.748 milhas náuticas, aproximadamente 44 dias, fazendo 120 milhas por dia, mais uns 20 em terra por diversos motivos) e incluirmos custos básicos como survey (obrigatório nos USA e aproximadamente US$ 25 por pé x 36 pés = US$ 900,00), peças de reposição e reparo (vai depender da condição do veleiro mas orçaria pelo menos uns US$ 2.000,00 sem incluir a MO de instalação), compra de itens necessários à navegação oceânica (vai depender do que vem com o veleiro mas orçaria outros US$ 1.000,00), combustível (não dá para somente velejar, por mais que seja um veleiro, por isso orçaria outros US$ 1.000,00 de combustível), alimentação (pode orçar uns US$ 1.500,00) e o custo de um skipper profissional que cobra uns US$ 15.000,00 o custo do veleiro já foi para US$ 68.900,00 x 5,20 (taxa de conversão) = R$ 358.280,00. Um veleiro Spring 36 1994 custaria R$ 420.000,00 e um Delta 36 custaria R$ 930.000,00, ambos, muito melhores que o Catalina 36.

São vários os segmentos do Turismo Náutico que se beneficiariam da medida, como, por exemplo, escolas de vela, hotéis e empresas de charter.

Acredito que os postos de trabalho mais óbvios para o caso dos veleiros são os de skipper, marinheiro e cozinheiros de bordo, contudo, podemos imaginar pessoas sendo contratadas para gerenciar a embarcação como lavar, manter, receber e abastecer (comida, bebidas e combustíveis), outras para realizar reparos como conserto de velas, manutenção de motor e reparos gerais como pintura e ainda outras para administrar como fazer a programação, receber pagamentos, gerenciar seguros e toda a parte financeira. Isso sem contar com contratações em marinas, hotelaria, restaurantes, etc.

Infelizmente, não vejo uma melhoria na infraestrutura e nas marinas a curto prazo sem medidas complementares que flexibilizem as exigências ambientais que entravam e limitam o desenvolvimento da infraestrutura náutica. Não vou elaborar mais nesta pois é perda de tempo, contudo, quero deixar registrado de que, no mundo todo o Turismo Náutico se promove com o desenvolvimento de marinas e estrutura náutica antes da chegada das embarcações, ou seja, mais vagas de marinas e melhorias na infraestrutura para se ir e vir com o veleiro é o que aumenta o Turismo Náutico, não ao contrário.

A isenção de impostos federais na importação de veleiros novos beneficia em aproximadamente 15% o custo final de um veleiro importado. Nos veleiros usados não existe nenhum benefício de isenção de impostos federais.

Seria míope da nossa parte imaginar de que uma mediada destas traria um volume tão grande de veleiros no curto prazo que influenciaria os preços dos veleiros novos fabricado no Brasil (pagando todos os custos de insumo em dólar e com lista de espera de pelo menos 2 anos) e dos usados (que são muito poucos) no Brasil. O que poderíamos considerar é que a importação poderia ser vista como uma medida de “abastecimento” dada a falta de veleiros nacionais a pronta entrega (prazo de 2 anos para construção de um novo) ou dificuldade de se encontrar um veleiro usado em bom estado (para o turismo) e com bom preço.

Infelizmente, nada disso foi aventado. Quer comprar um veleiro novo? Vai pagar praticamente a vista, da mesma maneira que na compra de um usado (a não ser que o proprietário assuma o risco do financiamento).

Não vejo interesse de seguradoras nacionais em segurar um veleiro usado comprado fora do Brasil. O risco é muito alto. Com relação a fazer um seguro uma vez nacionalizado, existe a possibilidade através de algumas seguradoras que aumentaram em muito o prêmio do seguro dado o alto índice de sinistro das lanchas que acabam sendo usadas para definir o valor do seguro do veleiro, mesmo que o índice de sinistralidade de um veleiro seja praticamente zero.

Dê uma olhada nos preços dos veleiros na Argentina, Uruguay ou México através de uma pesquisa na internet e verá de que os veleiros nesses países não são vendidos em sua moeda local e sim em Dólar Norte Americano. Ou seja, muitos seguem os preços internacionais e muitos terminam sendo mais caros do que os mesmos modelos adquiridos nos Estados Unidos ou Europa dada a escassez de oferta (mesmo que no Brasil). Na Europa e nos USA você pode facilmente financiar novas embarcações, o que faz com que existam muitas embarcações usadas disponíveis no mercado, diferente dos outros países mencionados.

Esta seria uma situação ideal pois o custo de transporte não entraria no preço final do veleiro. Só tem um problema; encontrar uma dessas situações ideais em que alguém que está fazendo um cruzeiro e passe pelo Brasil deseje vender o veleiro.

Não está claro como isto irá funcionar, contudo, é bem provável de que irão, por falta de instruções claras, cobrar todos os impostos. A exceção são os expatriados proprietários de veleiro onde residem e estejam retornando para morar no Brasil.

Não acredito que 15% de isenção faça alguém mudar de ideia.

Esta é uma medida direcionada ao desenvolvimento do turismo Náutico, ou seja, foi concebida para fomentar o desenvolvimento das empresas desse setor (Pessoa Jurídica), motivo pelo qual se deu isenção de impostos para as embarcações “novas”. A sensação é que as embarcações usadas foram incluídas de repente para beneficiar alguns que tinham interesse nisso e por isso não vou entrar nessa discussão. O importante é que antes não podia importar veleiro usado e agora pode!

É bom pensar que sim, contudo, um país do tamanho do Brasil, em que cada repartição pública segue um critério, é certo de que irá levar um tempo para que as mesmas padronizem o processo de entrada atendendo a nova medida.

Não adianta chegar no Brasil dizendo que o veleiro de 40 pés que você está dando entrada foi comprado por US$ 5.000,00. A internet acabou com essa possibilidade e a Receita Federal vai com certeza consultar a internet para ver se o valor declarado na Guia de Importação condizente com o valor do bem importado. Além disso, outros custos compões o valor da importação como transporte, seguro, itens de segurança para navegação oceânica, custo de manutenção e reforma, entre outros.

Talvez em uma medida futura. Nesta não são contemplados insumos e materiais para a fomentação da indústria nacional.

Para estes veleiros, caso seja um veleiro novo, o benefício será a isenção dos impostos fenderias o que, calculado, irá diminuir em uns 15% o valor total da importação. Eu diria de que clubes e associações de classe deveriam imediatamente montar um consórcio para compra de veleiros deste tamanho e fazer um pacote de compra com benefício de desconto por volume para baixar ainda mais o preço.

Espero haver ajudado a esclarecer o assunto.

Bons ventos!

Max Gorissen
Velejador. Escritor.


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