Inicio este texto sem rodeios, anunciando que decidi fazer uma viagem em solitário, em meu veleiro Gaia 1, partindo em setembro de 2017 de Ubatuba, em São Paulo, com destino a Miami, na Flórida.
Para muitos, o motivo dessa decisão pode parecer simplista e um tanto vago: desde meus 15 anos de idade (hoje tenho 52), sempre sonhei em fazer a volta ao mundo com meu veleiro, e acredito que o trecho Ubatuba-Miami poderia ser considerado “a primeira perna” desse sonho.
Eu poderia tentar justificar essa decisão com motivos mais consistentes, emotivos ou racionais, contudo, como a viagem é para mim, o motivo acima basta.
Seria uma viagem egoísta. Ao partir, não incluiria mais ninguém. Só meu veleiro e eu.
Afinal, é a realização do meu sonho. De mais ninguém.
Era um sonho de adolescente ou uma premonição de uma etapa da minha vida?
A resposta a essa pergunta não tinha mais importância depois que decidi partir.

Rota traçada: 5.065 milhas em 28d03h se fosse direto de Ubatuba até Miami.
Tudo o que importava era aquela inquietação, aquela ansiedade, aquele desejo, aquela vontade de velejar. Sentimentos que nasceram com um sonho na adolescência e me fizeram amar a vela e velejar com obstinação. Que me fizeram incluir a vela e o mar em tudo que faço e amar o mar a ponto de sentir saudades quando ele não está por perto.
Existem diversas maneiras de se viver, mas acredito que para se sermos felizes a vida precisa incluir nossos sonhos, nossos desejos, nossos anseios e nossas vontades.
Todos temos sonhos, e alguns deles vivem nos chamando, fazendo-se ouvir. São sonhos que se confundem com a realidade e mostram apenas seu final, já que o caminho depende de cada um decidir como realizar.
Talvez eu não precise realizar a volta ao mundo para concretizar meu sonho. Talvez Ubatuba-Miami seja suficiente… Quem sabe? Só há um jeito de descobrir e, por isso, com o apoio da minha esposa e do meu filho, em breve vou partir…
Então parti. No domingo, 24 de setembro de 2017.
Eram dez e meia de uma manhã tranquila de domingo no Saco da Ribeira, em Ubatuba. Minha esposa Zabetta, meu filho Maximilian e eu tomamos café da manhã juntos no cockpit. Um momento descontraído em família, embora já saudoso.
Fizemos as despedidas com abraços, beijos, muito carinho e palavras recheadas de precauções e cuidados a serem tomados durante a viagem. Em seguida, chegou a embarcação da Associação dos Usuários da Marina do Saco da Ribeira (Aumar) para levá-los a terra.

Zabetta e Maxy partem no bote rumo a terra…
É uma emoção muito forte ver seu filho e sua esposa partindo em direção contrária, enquanto você assume “o comando” de sua decisão e se prepara para partir.

Saco da Ribeira – Ubatuba, domingo, 24 de setembro de 2017… Soltei as amarras e parti…
Organizei algumas coisas que faltavam e soltei definitivamente a última amarra (já havia soltado a outra para a foto).
Ao partir, deu aquela vontade de vê-los mais uma vez, então liguei para o celular de Zabetta e rumei em direção ao píer, onde os encontrei emocionados acenando. Como não tinha calado para chegar mais perto, acenei de volta, mandei beijos, virei o veleiro e, agora sim, parti feliz!
Destino: Saco do Mamanguá, Paraty (RJ)
Após passar o estreito entre a costa de Ubatuba e a Ilha Anchieta, com ventos de través de 8 nós, subi as velas e comecei a velejar. Com mar calmo e vento, às 13h03, com a Ilha das Couves/Ilha Comprida-Ubatuba em meu bordo, fiz o primeiro registro de hora/posição na Carta Náutica (gosto de sempre usar carta náutica de papel). Um pouco depois, acabou o vento e liguei o motor, fazendo então 8 nós no avanço.
Passei a Ponta Negra às 15h29, e o mar ficou muito agitado, com ondas desencontradas. Tudo fica desconfortável com ondas assim, e são momentos como esse que testam sua determinação no mar.
Então, às 16h26, virando a Ponta da Joatinga para entrar na Baía de Ilha Grande, entrou um vento de 10 nós; abri a genoa para estabilizar o veleiro e complementar a força do motor. Nessa hora, mudei de carta náutica, já que a anterior só cobria até a Ponta da Joatinga.

Fim de tarde… Ponta da Joatinga pelo través.
Comecei então a procurar um lugar abrigado no Saco do Mamanguá para o pernoite, pois o vento tinha aumentado para 13,5 nós. Às 18h52, encontrei um bom lugar, após a Ponta do Buraco, abrigado do vento pela montanha. Recolhi o bote que até então vinha sendo rebocado e me dediquei a uma das tarefas obrigatórias de todo navegante solitário: fazer seu próprio jantar. Fiz um tagliatelle com molho de tomate fresco – especialidade da Zabetta e que não chegava nem perto do seu! Em outras circunstâncias, meu molho teria sido reprovado, mas como eu estava faminto a avaliação final do prato foi: delicioso! É incrível como nosso padrão de qualidade se “adapta” rapidamente nessas situações…
Tentei ligar pelo celular para avisar que tudo estava bem, mas não havia sinal, o que se repetiria várias vezes durante a viagem. Como eu também tinha telefone via satélite (uma das duas exigências de Zabetta para a viagem: telefone via satélite e balsa salva-vidas), fiz uma ligação rápida avisando que tudo estava bem (desta vez o aparelho conseguiu achar os satélites necessários, mas tive muitos problemas com o sistema ao longo da viagem, e acabei por cancelar o serviço quando cheguei ao Rio de Janeiro). Fui dormir cedo, às 20h17, física e mentalmente exausto – condições normais para o dia da partida de um velejador em solitário (leia também o artigo nesta revista “Velejar sozinho me faz sentir livre”).
Tive uma noite muito ruim. Não por causa do mar, que estava um “espelho”, sereno, mas por causa da minha própria cabeça. A principal preocupação era o ferro garrar (se soltar) e o veleiro ir parar nas pedras. A cada solavanco causado por mudança de maré, onda ou vento, eu acordava e levantava da cama de proa onde estava dormindo e corria para abrir a gaiuta, para ver se o veleiro estava no mesmo lugar em relação aos pontos em terra que eu havia definido ao jogar o ferro. Uma insegurança típica de início de viagem. Por esse motivo, dormi muito pouco e com um sono “quebrado”, cheio de sonhos malucos. Acabei dormindo um pouco mais do que previa, acordando às 8h com um dia maravilhoso e águas convidativas para um banho.


Primeira parada: Saco do Mamanguá. – Café da manhã reforçado…
Depois de nadar um pouco, com a sensação de estar totalmente isolado do mundo – apesar de haver várias casas por perto, mas ninguém à vista –, me sequei ao sol e fiz um belo café da manhã, com ovos, pão com manteiga e mel, e um chá preto.
Às 9h21 parti rumo a Paraty, atravessando os canais formados pelas ilhas da Cotia e do Algodão, na enseada de Paraty-Mirim. Rodeei o morro da Conceição e, às 10h38, já na Ilha do Mantimento, tive a visão da maravilhosa Paraty ao longe… Acho que ninguém se cansa de identificar as igrejas e os casarios antigos dispostos na orla de Paraty.
Como precisava abastecer meus galões com Diesel Verana, rumei direto ao Posto BR na Marina Porto Imperial, onde abasteci 104 litros (54 litros para completar o tanque e dois galões de 25 litros de reserva dos cinco que levei) e o galão de gasolina Podium para o motor de popa.
Foram o diesel e a gasolina mais caros da minha vida!
Diesel Verana = R$ 4,989 por litro
Gasolina Podium = R$ 5,989 por litro
Total pago = R$ 555,68

Abastecendo de diesel verana, inclusive os galões (vermelhos)… e de água…
Também abasteci de água, mas não o tanque todo, pois, como a água chega por queda (sem pressão), naquele dia ela quase pingava, e eu precisaria de horas para conseguir alguns litros. Era só o início da “novela” da água, já que conseguir água é e sempre será um dos problemas das travessias.
Mas o destaque do dia foi encalhar, pois, distraído, não olhei a carta e não vi que havia um canal para entrar na Marina Porto Imperial. Embora já houvessem me avisado, na hora nem lembrei… Para entrar no canal, você tem de deixar a laje sinalizada por bombordo, e eu fui reto!
Só percebi quando a profundidade foi de 9 pés para 3,5 pés… Tarde demais!
Tentei sair forçando o motor e virando a boreste, mas o veleiro não respondia e se arrastava mais e mais para a costa, encalhando mais na lama.
Por sorte, o pessoal da marina viu e veio me ajudar com um bote. Com o orgulho arranhado e o barco desencalhado, rondei a laje por boreste e entrei no canal correto. Experiência registrada “na marra”, me dei conta que nunca posso entrar em um porto sem ter analisado e estudado as cartas antes. Então, com menos cracas na quilha, amarrei o veleiro ao pontão.
Após abastecer, cansado do pinga-pinga no tanque de água e vendo que já eram 12h15, hora da virada da maré para vazante, soltei as amarras e parti.
Estava com fome e decidi jogar o ferro em frente à Ilha da Bexiga, uma ilha com uma casa maravilhosa bem em frente a Paraty, onde, depois de um belo almoço de arroz, feijão, salsichas e batata palha (tudo enlatado, é só esquentar…), passei a tarde toda arrumando coisas no interior do veleiro.
Tentei atualizar o SailBrasil.com.br, mas não consegui subir os arquivos via FTP, problema que se repetiria por toda a costa e que atribuo a sinal ruim de internet.
Às 19h37, esquentei o que sobrou do almoço – outra constante da viagem: as sobras do almoço viram uma parte do jantar ou ele todo –, liguei para o Maxy, pois ele tinha jogo de basquete e eu queria de alguma maneira participar disso. Em seguida, diferente de quando estou em casa e enrolo para ir para a cama, simplesmente, cansado, fui dormir… Acordei com mais um dia maravilhoso e, após um ótimo café da manhã, parti para explorar a região de Paraty-Mirim.
Após um belo passeio a motor pelos canais e “sacos” (como são chamadas as enseadas na carta náutica), ancorei em frente a Paraty-Mirim para visitar as velhas ruínas da cidade e da igreja.
O navegante precisa tomar muito cuidado nessa praia, pois a parte rasa, mais ou menos 1 metro de profundidade, segue até bem perto do canal, onde baixa de repente para 3 ou 4 metros. É necessário observar a coloração da água (veja na foto ao lado), que permite localizar claramente o limite. Ancorei bem no limite, a uns 100 metros da praia.

De qualquer maneira, o lugar é muito bonito, e dá até para chegar de carro. A igreja, única construção antiga ainda em pé, estava fechada. As ruínas estão literalmente “em ruínas” e tudo virou um lugar sem charme, com um monte de gente tentando sobreviver de passeio de barco e com dois barzinhos de praia. A praia e a natureza do entorno são lindas, e a área onde o píer está localizado também é muito bonita, com suas casas no morro e os barcos nas águas rasas e limpas. Como sempre acontece no Brasil, tem um campo de futebol na praia – deve ser a diversão da vilazinha…

Gaia 1 em Paraty-Mirim… igreja fechada e campo de futebol na praia…
Aproveitei para nadar e almoçar e, às 12h45, levantei âncora e fui visitar o Saco do Mamanguá, onde havia chegado dia 24, mas que ainda não havia visitado.
O Saco do Mamanguá é lindo e definitivamente eu teria uma casa nesse lugar (inclusive, no final da viagem, ao me perguntar onde teria uma casa, a escolha foi o Saco do Mamanguá).
Retornei à enseada de Paraty-Mirim para ancorar às 14h20 em uma enseada ao norte da Ilha de Cotia. Lugar lindo e calmo. Saí para dar uma volta de bote e vi uma casa maravilhosa, pé na areia, toda de vidro, com um pé direito de uns 4 metros de altura, olhando para a baía. “Maravilhosa”, pensei, “se estivesse a venda, Zabetta a teria comprado ‘de olhos fechados’!”
Passei a tarde toda preparando o veleiro e organizando a travessia para Angra dos Reis que se daria no dia seguinte. Então fui dormir.

Ao norte da Ilha da Cotia, pernoitei nesta linda e abrigada bahía. Repare a cor da água.
Rumo a Angra dos Reis
Na quarta-feira, 27 de setembro de 2017, acordei cedo para partir rumo a Angra dos Reis. Na verdade, não queria partir: dá para ficar muito tempo em Paraty… Mas a viagem continua!
Após um café da manhã reforçado, parti, às 8h34. Mar calmo e sem vento: fui no motor mesmo!
Chequei a carta náutica que indicava o Parcel dos Meros e fui procurando o PEP e o lampejo, sem sucesso. A menos de meia milha náutica, plotei minha posição e percebi que deveria ser possível ver a boia, porém não havia nada. Só então percebi ondas concentradas em um local e vi a pedra – que perigo à navegação!! A boia não existe.
Então comecei a plotar todos os parcéis e lajes em minha rota da carta de navegação para meu GPS de mão (comprado nos Estados Unidos, o aparelho de mão não possui a carta náutica brasileira, enquanto o da mesa de navegação, que possui as cartas brasileiras, é complicado de acompanhar quando velejando em solitário, pois é necessário entrar na cabine para olhar).
Então, às 9h33, com rumo à cidade de Angra dos Reis, olhei a carta e vi a região da Enseada do Bracuí, decidindo mudar o rumo e passar o dia por lá. É o bom de navegar sem pressa e em solitário: podemos tomar decisões sem consultar ninguém, a qualquer momento, e não nos preocupar com a hora de chegar.
Cheguei às 10h22 ao arquipélago que forma essa região de Angra dos Reis e, já esperto por causa da falta da sinalização no Parcel dos Meros, fiquei de olho na sinalização dentro da Baía da Ribeira, onde existem muitos parcéis, ilhas e lajes. Ali, no entanto, todas estavam devidamente sinalizadas.
Às 11h30, joguei ferro na Ilha das Palmeiras para fazer o almoço e preparar algumas coisas para a viagem. Pouco depois, entrou vento, então aproveitei para dar uma velejada “forte” a fim de testar tudo no veleiro, já que faziam uns 11 a 12 nós de vento… Orcei, travezei, empopei e, em seguida, procedi a uma manobra que há muito não fazia, mas que é fundamental ser muito bem realizada no oceano: rizar a mestra e a genoa. Tudo com calma. Foi bastante simples e segui velejando por mais um tempo.

Radiante após a velejada… o penteado atesta o que a água salgada e o vento fazem com seu cabelo.
Então, satisfeito, decidi conhecer a Enseada de Ariró, separada da Enseada do Bracuí pela Ilha Comprida. Entrei na enseada seguindo a carta, pois ela guarda muitos perigos à navegação para quem não a conhece, e comecei a procurar uma baía para ancorar e pernoitar. Comparada com a do Bracuí, essa baía não é muito bonita…
Embora tenha encontrado uma baía protegida, não gostei das casas do entorno, havendo inclusive uma abandonada e em ruínas. Então decidi voltar à Ilha das Palmeiras, onde ancorei. O local é muito bonito e abrigado para ventos Sul, mas logo que o sol se pôs alguém ligou um gerador… que foi até tarde da noite e prejudicou um pouco meu sono.
Na quinta-feira 28 de setembro, acordei e preparei um café da manhã com pão italiano torrado no forno com manteiga. Café da manhã perfeito. O tempo nem tanto: amanheceu nublado…
Como despedida da Enseada do Bracuí, fui visitar a Marina de Bracuhy – sim, com “hy”. Nome de origem tupi, a grafia com “hy” é tradicionalmente utilizada para os termos dessa origem. É bom quando o brasileiro usa os termos corretos e da língua tupi já que, por hábito, tende a dar nomes europeus ou estadunidenses a seus condomínios acreditando que fique mais “chique”, em detrimento dos nomes indígenas que, a meu ver, soam muito melhor. De qualquer maneira, a marina e o condomínio de Bracuhy são maravilhosos! Parecia que eu estava em Miami em vez de solo tupiniquim!
Naveguei pelos canais admirando as casas e os barcos. Fiquei impressionado com a quantidade de veleiros. Admirando toda essa “beleza criada pelo homem”, pensei em realizar mais um desvio do meu plano original e liguei para Zabetta dizendo que tinha planos de visitar e conhecer Búzios, em vez de rumar direto para Abrolhos, como era o plano original. Ela imediatamente me sugeriu passar em Cabo Frio e visitar o Arraial do Cabo, enviando fotos e links que apoiavam sua sugestão. As fotos me fizeram mudar novamente a rota: o lugar é maravilhoso! É o Caribe por aqui…


Veleiros nos píeres das casas Marina Bacuhy
Procurei e encontrei a carta náutica “do Cabo Búzios ao Cabo Frio”, o que me deu certeza de que deveria passar por ali. Tenho certeza de que, por ter essa carta náutica no veleiro, tudo estava predestinado!
Aliás, naquele momento, após alguns dias na experiência de conhecer lugares do nosso litoral, passei a pensar em visitar mais locais da costa brasileira, em vez de rumar direto para Abrolhos e depois Salvador. Tem muita coisa linda para se ver neste Brasil! O problema é que não é seguro visitar a costa brasileira, por causa da ignorância e da pobreza… Ou será safadeza?… De qualquer maneira, a insegurança acaba nos afastando de locais da costa, o que faz com que o comércio local não se beneficie, mantendo a pobreza… e a ignorância. Quando será que as autoridades das cidades da costa brasileira irão perceber de que o turismo náutico pode ser uma solução viável para melhorar a qualidade de vida das pessoas da região?
Do condomínio Bracuhy, parti direto para a Marina Piratas, em Angra dos Reis.
O passeio é muito bonito, com enseadas lindas e ilhas entrecortando o caminho.
Como não havia vento e eu seguia a motor, a navegação foi tranquila, em uma região que guarda muitos perigos à navegação (como lajes, ISOS e pedras), exigindo do navegante atenção constante.
Antes de chegar à Marina, já na Baía de Angra, vi o catamarã Guruçá Cat, do Fausto e da Guta, casal muito legal e que acompanhei por meses durante sua viagem pelo mundo, e fui tirar uma foto. Então vi um veleiro de madeira lindo, ancorado – ou poderia dizer encalhado? – bem atrás do Guruçá. Dois mastros, uns 80 pés, totalmente abandonado e já afundando. Seu nome é Lord Jim. Maravilhoso! Como podem deixar um veleiro desses apodrecer?! Já comecei a sonhar em comprar e restaurar o veleiro. Quem sabe… Ao lado, na Ilha do Maia, encontrei a casa dos meus sonhos e mandei fotos para Zabetta, que também amou! (Enquanto pude, fiz minha família participar de toda a viagem, principalmente pelo canal do YouTube: www.youtube.com/user/mGorissen) Era uma casa colonial estilo português avarandada. Linda!
Rumei para a Marina dos Piratas, com cuidado, chegando lá às 12h. Amarrei o Gaia 1 ao píer sem assistência e fui ver como o local funciona. Existe a marina gerenciada pela BR Marinas, mas os píeres laterais externos são de propriedade e uso do shopping center, que permite aos clientes náuticos atracar gratuitamente por duas horas, enquanto usam suas dependências e lojas. As demais horas são tarifadas a R$ 50 cada, com possibilidade de pernoite por uma taxa extra.
Minha primeira providência foi levar roupas, lençóis e toalhas sujos à lavanderia, na rua em frente ao shopping, o que me custou R$ 60. Em seguida fui comer um hambúrguer no Burger King – que delícia comer junk food depois de ter de cozinhar por dias… Então tomei um café expresso (outro pequeno prazer) e fui fazer supermercado.
Enquanto eu guardava as compras no Gaia 1, atracou um veleiro chamado Whahoo II (Bruce Far), do Rogério, que vinha do Rio Grande do Sul e já estava há algum tempo em Angra. Batemos um papo rápido de velejador. O legal do mundo da vela é isto: a camaradagem e a possibilidade de conhecer gente com o mesmo interesse que o seu.

Gaia 1 na Marina Piratas – Angra dos Reis – RJ – Tem quase tudo que o velejador precisa.
Procurando um sifão, e minha lista de reparos
Antes de partir de Ubatuba, pedi à assistência autorizada Yanmar – marca do meu motor – que fizesse uma revisão do motor, bem como a troca dos fluidos, filtros e da mangueira do sifão, que entortara, formando um gargalo no fluxo de água. Porém o técnico não percebeu que, ao apertar a mangueira com a abraçadeira, quebrou o sifão, o que causava um grande vazamento (ele não deve ter testado, pois foi só ligar o motor que espirrou água por todo lado). Eu só notei o vazamento no dia da partida, ao ligar o motor. Então, para prosseguir com a viagem, fiz uma ligação direta eliminando o sifão. No entanto, o sifão é de suma importância em um veleiro, já que, adernado na vela, sem usar o motor, pode ocorrer retorno da água salgada do escapamento para o cabeçote, danificando o motor.
Diante disso, fui procurar, nas lojas da marina e da rua, inclusive na autorizada Yanmar, por um novo sifão de 1 polegada. Como não encontrei – ninguém na região tinha o tal sifão! –, tive de fazer uma gambiarra no meu sifão quebrado. Coisas de quem navega por aí…
Completei novamente o tanque com Diesel Verana, enchi os outros três galões, como uma reserva de emergência (queria ter pelo menos três dias de autonomia no motor, para o caso de uma emergência longe da costa), e coloquei água nos tanques (foi rápido, pois tinham água tratada com pressão). Após pagar outros R$ 540 em diesel (absurdo!), parti rumo ao Saco do Céu, onde pretendia esperar passar a ressaca no mar e fazer os últimos preparativos antes da travessia até Cabo Frio.

Galões de 25 l de diesel (vermelhos) e 20 l de água (brancos) organizados no paiol de popa. Por cima vão as defensas e um botijão de gás. Tudo organizado e fora da vista, que é como gosto.
Em minha lista de preparativos havia as seguintes tarefas:
- Arrumar o sifão;
- Identificar por onde vaza água (doce) dos tanques quando o veleiro aderna – água que termina toda no porão;
- Subir no mastro para:
- Instalar o refletor de radar;
- Apertar a biruta que está solta;
- Limpar as cruzetas e o mastro que estão sujos;
- Ver por que a luz de top (ancoragem) parou de funcionar;
- Realizar uma revisão e vistoria geral na mastreação;
- Ver por onde entra água no porão do motor (salgada);
- Organizar as caixas de mantimentos, pois colocamos tudo sem critério nas caixas e estava difícil encontrar a comida;
- Organizar a segunda âncora Bruce com 10 metros de corrente e 91 metros de cabo trançado na proa, e a terceira âncora Danforth com 5 metros de corrente e 30 metros de cabo trançado na popa;
- Ver por que a roda do leme está fora do centro em aproximadamente 1 palmo;
- Testar a storm jib nova e organizar seus cabos;
- Arrumar tudo que joguei na cama de popa;
- Limpar o limo do fundo e tirar as cracas do casco (obras vivas) com um pano.
Parece muita coisa?
Essa lista era somente parte do que teria de fazer para deixar o “veleiro perfeito” para a viagem. Tinha muito mais coisas que gostaria ou teria de fazer! Isso ilustra a incrível quantidade de manutenção, melhorias e reparos constantes necessários em um veleiro.
Muita gente usa isso como motivo para não partir. Eu, ao contrário, arrumei o básico para uma singrada segura, fiz uma lista de coisas importantes que arrumaria durante a primeira semana da viagem – semana que usei para me acostumar à vida no veleiro e no mar –, e tenho outra lista de coisas que gostaria de arrumar algum dia para que o veleiro fique perfeito. Se aguardasse até arrumar tudo da lista, nunca partiria.
Esqueça a lista, arrume o necessário para uma singrada segura, solte as amarras e PARTA!

Praia deserta no Saco do Céu.
Saco do Céu
A travessia até o Saco do Céu, partindo de Angra dos Reis, é curta. Dependendo do vento, dura em torno de duas horas.
Cheguei ao Saco do Céu às 18h, com 15 nós de “vento na cara” (pela proa), afunilado pelo canal de entrada do saco. Ancorei com vários outros veleiros e lanchas apoitados por perto, ainda exposto ao vento, mas seguro, pois o ferro unhou bem: com a profundidade de 3 metros e 20 metros de corrente lançada, não teria furacão que me garrasse de onde ancorei.
Um detalhe: gosto de jogar o ferro (âncora) em vez de usar poitas que não conheço. Tento nunca usar poitas desconhecidas. Mesmo quando disponíveis, jogo ferro. É mais seguro! O motivo é simples. Com uma poita desconhecida, não tenho nenhuma informação sobre sua capacidade em toneladas, sua manutenção e seu giro; já com meu ferro, tenho total controle do local onde devo ancorar, da quantidade de corrente por metro de profundidade que preciso soltar e do seu dimensionamento e capacidade em aguentar meu veleiro em diferentes condições de mar e de vento. Além, é claro, que posso ancorar onde quero, nos melhores lugares e longe das demais embarcações que geralmente incomodam. Você tem de confiar na sua capacidade de ancorar!
Veleiro seguro, apesar de mexendo de um lado para o outro por causa das rajadas de vento que chegavam a 18 nós, fiz o jantar assistindo a um filme (Jack Ryan) e, depois de falar com Zabetta, que estava em um jogo de basquete do Maxy – ela sem jantar e com frio (não adianta somente ser mãe, tem de participar…) –, fui dormir esperando a mensagem de que haviam chegado bem em casa (quem mora em São Paulo fica sempre preocupado!).
Acordei cedo, era sexta-feira, 29 de setembro, um dia de trabalho pesado.

Saco do Céu… simples, calmo e lindo!
Organizei minha segunda âncora Bruce na proa, usando um cabo trançado de 91 metros e 10 metros de corrente 10 mm que era de outra âncora – uma Danforth do ORM (meu antigo veleiro Mariner Ranger 26, ano 1983, um ¼ tonner com design também de German Frers – parece o Gaia 1 em miniatura… veja matéria a seguir nesta revista a respeito deste veleiro) –, e preparei a Danforth com 5 metros de corrente 8 mm e 40 metros de cabo trançado (acomodados em uma sacola de borracha) para ficar na popa para o caso de emergência (no pior dos casos, tenho à mão, ao lado da roda do leme, uma âncora para jogar pela popa sem ter de correr para a proa).


Ferro Danforth instalado na popa. – Um dos lados do sifão após reparo.
Arrumei o sifão quebrado colocando, literalmente e na prática, a mão na massa, já que o reparo foi feito usando massa Durepoxi. Acabei unindo tudo: incluí a mangueira de 1 polegada e a abraçadeira no sifão, e cobri tudo com massa Durepoxi.
Às 12h45, peguei o bote e fui almoçar no hotel e restaurante Coqueiro Verde. Comi peixe grelhado com batatas fritas e, ao final, café expresso. Prazeres de se velejar na costa…
Voltando ao veleiro, fiz mais umas manutenções básicas e decidi que, como estava nublado e com previsão de chuva para os próximos dias, era hora de subir no mastro.
Coloquei todos os meus equipamentos de rapel e organizei os cabos, garantindo segurança em tudo. Sozinho, ou você “tem colhões”, ou, como diz Zabetta, tem de ser louco!
De qualquer maneira, eu tinha de subir para instalar o refletor de radar no brandal; arrumar a biruta, que estava solta e “bamba”; limpar as cruzetas, que estavam sujas; fazer uma vistoria geral na mastreação; e arrumar a luz de ancoragem, que não acendia (a de navegação estava em ordem).

Alguns detalhes (entre outros):

Organizei a comida em várias caixas plásticas presas com uma rede e uma fita de nylon.

Sempre preparo a navegação nas cartas de papel e sempre as tenho a mão no convés. Nunca confio somente nos eletrônicos!

Instalei painéis solares pois acho que são fundamentais para manter a energia das baterias, sem ter de usar constantemente o motor, durante uma navegação longa. Em vez de dois painéis de 100 V usei 4 painéis de 50 V. A ideia por trás desta decisão é simples. Se um painel solar por algum motivo quebrar, perco somente 50 V e não 100 V.

Acredito que em longas viagens, se deve sempre levar uma Balsa Salva Vidas (revisada). A minha tinha um casulo de fibra de vidro muito grande para o tamanho do veleiro e, por isso, mandei fazer uma sacola especial (grafite). Também levo sempre meu bote de apoio e, ao navegar, subo ele ao deck (não tenho “turco”).

Mandei fazer uma revisão total do quadrante da roda do leme e do piloto automático… em solitário, este é fundamental! … Também apertei todas as abraçadeiras das mangueiras.

Com a substituição do botijão de gás de 2 litros pelo de 5 litros, tive de fazer um novo reservatório para o botijão de gás, que é maior e não cabe no espaço do anterior… fiz uma instalação no espelho de popa que, em caso de vazamento, não permita o gás entrar dentro do veleiro. Nesta, tem um tubo que, em caso de vazamento, o gás sai para fora do veleiro. Além disso, troquei a mangueira de cobre (original) por uma mangueira de plástico. Futuramente vou embutir a tampa para ficar mais bonito.

Em todos os paióis ou embaixo de camas, onde tenho espaço para guardar “coisas”, instalei uma grade (tipo de banho) para não permitir que nada encoste no casco. Desta maneira, caso entre água, esta passa por baixo e vai direto ao porão não molhando o que está encima… e pode ter certeza: em determinado momento, vai entrar água!

Além do clássico macarrão, levei muita comida enlatada (dentro do prazo de validade) … sei que não é o mais saudável, contudo, é muito prático pois apenas precisa aquecer… na foto: salsichas em lata, arroz de saquinho e feijão de caixa (1 porção) com batata palha e água de coco… pelo menos não passo fome e tenho a certeza de que estou alimentado!
Consegui resolver tudo, com exceção da luz de ancoragem. Como ela é integrada às luzes de navegação, não quis criar outro problema ao tentar identificar por que ela não acendia –provavelmente era uma lâmpada queimada, e eu não tinha outra para substituir… Ficou como estava. Para minimizar a falta de luz de tope/ancoragem, coloco uma lanterna no cockpit à noite, a fim de mostrar que existe uma embarcação ancorada – o efeito acaba sendo o mesmo, já que o objetivo é destacar a embarcação no escuro.
Exausto, tomei um bom banho e fiz a barba. Conversei com Zabetta e Maxy, que tinha acabado de ganhar medalha de ouro no basquete. Pai muito orgulhoso!
Como esse jogo era dos mais velhos, ele foi convocado como reserva e acabou não jogando. De qualquer maneira, mandei a ele uma mensagem (em inglês, pois só converso com ele em inglês desde que nasceu):
“Congratulations Maxy on your Gold! I know this is just the beginning and I am very proud of you!! It does not matter if you played or not. You were there willing to play and ready to do what you could to help the team win. That is why I am proud of you! It´s the spirit, the willingness and the drive that counts. And you have it! Playing or not was just a tactical decision your coach made based on his feeling of the game. It´s difficult to change a team that is winning. He play it safe. Love you! Daddy”
E fui dormir, exausto, às 22h.
O sábado amanheceu com muita chuva. E continuou chovendo o dia todo…
Fiz vários reparos de rotina e mais organização – foi um dia monótono. Pelo menos descansei e comecei a ler o livro Razor Girl (Autor: Carl Hiaasen – os livros deste autor são uma sátira constante e hilária do estilo de vida na Flórida).
Instalei o sifão, e o reparo ficou perfeito. Mas, agora, vazando do outro lado. Mesmo vazando muito pouco, indicava que o plástico não estava muito bom. Acho que sucessivos apertos excessivos criaram fissuras no plástico. Tirei novamente o sifão e fiz o mesmo reparo já feito do outro lado com Durepoxi. Como as duas mangueiras estavam ligadas com Durepoxi ao sifão, o motor estava sem nenhuma mangueira no lugar e não podia ser ligado. Eu esperava ter uma noite tranquila, para que a massa tivesse seu tempo de cura completo recomendado, de 12 horas, antes de instalar.
O ponto alto do dia foi saber que Maxy ganhara mais uma medalha de ouro em outra competição de basquete!
Sem vontade de cozinhar, o jantar foi pão com Polenguinho e suco de uva.
Aproveitei para editar todas as fotos da regata Mackinac Race (Registro: M. I. Gorissen na Mackinac Race – julho de 1959), com a intenção de incluí-las na matéria que vou escrever sobre meu pai para a SailBrasil. Inclusive comecei a escrever o texto, mas acabou a bateria do laptop e fui dormir.

Meu pai, Maximilian Immo Gorissen, durante a regata Mackinac Race de 1959
Domingo, 1º de outubro, 1h28: acordei com uma forte chuva e ventos “rugindo”, que faziam o veleiro tremer. Levantei imediatamente para instalar o sifão, caso o ferro garrasse (imagina!). Meu lema é sempre atuar com ações preventivas!
Com o sifão instalado e tudo testado, voltei a dormir à 1h46.
Tudo se acalmou, e amanheceu um dia de sol maravilhoso!
Após o café, me sentindo meio “devagar” durante toda manhã, passeei pelas praias e pela vila do Saco do Céu e, lá pelas 10h, vesti minha antiga roupa de borracha O’Neill (comprei nos anos 1990, quando fazia windsurfe), coloquei a máscara e mergulhei para limpar o fundo do veleiro.
Tinha muitas craquinhas, principalmente na proa (onde eu durmo) e no leme. À noite, elas faziam um barulho que parecia alguém fritando um bife. Acho que são elas se reproduzindo… De qualquer maneira, cracas prejudicam a velocidade, e eu queria meu casco limpo para a travessia.
Bebi um bocado de água do mar. Tenho de aprender a não abrir a boca quando subo para buscar um pouco de ar.
Almocei um belo bife de filé mignon com arroz, feijão e salada no Coqueiro Verde.
Fico preguiçoso em cozinhar com a disponibilidade de um restaurante tão bom e tão perto!
Aproveitei para abastecer os dois galões de água de 20 litros que estavam vazios após ter abastecido os tanques com seu conteúdo naquela manhã. Também joguei fora os sacos de lixo acumulados. (Meus sacos de lixo não têm cheiro, pois não jogo nenhum resto de comida neles, somente as embalagens: toda comida que sobra vai borda afora. Mesmo as embalagens vazias, lavo com água do mar para que não fiquem restos que possam apodrecer e produzir odores. Nunca se sabe por quanto tempo o lixo ficará no veleiro e não há nada pior do que sacos de lixo com restos de comida guardados no porão quente por vários dias.)
À tarde, fui procurar a origem do vazamento de água doce. Apertei algumas abraçadeiras e os parafusos dos registros da água fria e quente do chuveiro, que estavam um pouco soltos e molhados. Não achei que aquelas seriam as causas da quantidade de água que vazava para o porão, mas precisava velejar e adernar o veleiro para descobrir se havia resolvido.
Lavei e lubrifiquei o motor de popa, subi o bote e fiquei pronto para partir cedo para Cabo Frio.
Consultei o Aviso de Mau Tempo (sem aviso para área Charlie) e as Cartas Sinóticas, tudo indicando condições adequadas para a viagem: pouco vento e mar um pouco mexido.
Fui dormir às 22h, após falar com minha esposa e filho e ler mais um pouco do meu livro.
Já era uma semana sozinho velejando…
Rumo a Cabo Frio
Era segunda-feira, 2 de outubro, 7h48, quando parti do Saco do Céu rumo a Cabo Frio. Seriam pelo menos 24 horas de viagem, ou seja, eu “dormiria” navegando.
Recebi a Carta Sinótica e o Aviso de Mau tempo atualizados do Maxy, que incumbi de me enviá-los todos os dias antes de ir para a escola – muitas vezes, por causa do baixo sinal de celular, por incrível que pareça, não consigo abrir o aplicativo, mas consigo abrir o WhatsApp… Vai entender… De qualquer maneira, pela Carta Sinótica, dava para ver uma frente fria vindo do Sul; no entanto não parecia que ela iria chegar nos próximos dias, e não havia nenhum alerta no Aviso de Mau Tempo. Então, recolhi o ferro e parti.

O Saco do Céu, por ser uma baía abrigada, esconde parte do que se passa lá fora e, com a informação do tempo calmo, nem me preparei para velejar, pois o faria mais tarde, quando estivesse no mar e entrasse o vento.


Carta Sinôtica – Troca de mensagem com minha esposa
Engano meu! Foi só sair da proteção da baía que, já no Abraão, o mar (canal) encrespou e o vento apareceu… 15 nós de N/NE!

Partindo do Saco do Céu… 20-23 nós “na cara”… velejando rápido!
O veleiro começou a bater nas ondas desencontradas e esperei passar a entrada do canal (navios) para subir as velas. Com tudo batendo e o veleiro balançando muito, abri a genoa rizada, pois o vento tinha aumentado para 20-23 nós “na cara”.
Rumei para o mar esperando uma orça mais tranquila, o que não aconteceu. Foi uma orça com ondas batendo na proa e o veleiro, mesmo com a genoa rizada, velejando a 7,7 nós!
Foi assim até entrar na Restinga da Marambaia (após a Ilha da Marambaia), onde o vento acertou entre 15 e 17 nós e o mar ficou com menos ondas. Subi a mestra e tirei o rizo da genoa. O veleiro adernou e saiu como uma “bala”!
Foi uma belíssima velejada e me imaginei chegando a Cabo Frio mais cedo… Nesse momento, observei que a genoa havia rasgado na valuma, e o Sumbrella azul de proteção tinha um pedaço voando com uma abertura que dava para ver o Dacron.
Cacei a genoa para evitar de panejar a valuma, e continuei observando o pedaço e o rasgo na genoa. Tudo “calmo” na velejada rápida, decidi por iniciar uma série de “sonecas” para não estar tão cansado à noite. A ideia era fazer 45 minutos de soneca a cada 3 horas acordado. Então, coloquei o timer (de cozinha) que trouxe com 45 minutos, peguei o chapéu para cobrir o rosto e tentei cochilar nesse movimento do veleiro. Acho que até peguei no sono, contudo um barulho de vela forte me acordou. O vento havia rondado ou o veleiro havia saído do curso – e não é que o vento rondou mesmo!
Rondou de virar de Nordeste para Sudeste! Entrava agora pela popa! Olhei para a valuma da genoa, que havia rasgado mais um pouco, e corri para abrir a mestra para estabilizar o veleiro e entrar no vento. Veleiro estabilizado, em 15 nós de vento vindo pela popa, comecei a enrolar a genoa que batia desenfreada.
Estava na altura da Ilha Rasa da Guaratiba, mas bem aberto no mar (longe de terra).
Tinha de tomar uma decisão: a) seguia para Cabo Frio com a genoa rasgada e lá buscava alguém para repará-la, ou b) seguia para o Rio de Janeiro e parava no Iate Clube do Rio de Janeiro (ICRJ), onde há uma veleria que conheço e já me prestou serviços nas velas do Gaia 1 dois anos atrás?
Tinha outra genoa guardada embaixo da minha cama na proa: seria o caso de trocar assim que o mar e o vento acalmassem. Não gostava muito daquela genoa, mas serviria como “estepe”, até consertar a outra. Por isso demorei a decidir, considerando ambas as alternativas e, basicamente, foram os raios e trovões na Restinga da Marambaia, onde tudo tinha ficado “preto” de repente, que facilitaram a tomada de decisão: eu iria para o Rio de Janeiro.
Mudei o rumo, defini o curso no GPS, que apontava 4,5 horas para a entrada da Baía de Guanabara, e parti com um vento em “popa rasa”, com 15 a 20 nós de vento na rajada, acertando o rumo para evitar um jibe da mestra, que poderia, com esse vento, danificar minha mastreação. Houve um momento em que precisei fazer o jibe, que saiu meio rápido demais, porém sem maiores consequências.
Então começou a chover, e o vento se manteve em 20 nós de popa.
“Chover” é uma maneira simpática de me referir ao dilúvio que, com 20 nós de vento, batia forte nas minhas costas e molhava tudo. Tive de fechar o veleiro para a água não entrar. Até carneirinhos (espuma nas cristas das ondas) tinha no mar.
Então, tudo ficou nublado… visibilidade quase zero… e o veleiro andando rápido empopado, com ondas também pela popa, que me faziam “surfar” e ter de ajustar e cuidar do rumo para evitar um jibe chinês.
Ensopado, com frio, andando a 8-9 nós na popa – foi uma belíssima velejada! Somente um apaixonado por vela é capaz de aproveitar tais circunstâncias curtindo uma velejada em solitário. Não senti medo em nenhum momento – somente excitação!
Então o vento começou a diminuir, até acabar. Fiquei tentando velejar, mas chegou um momento em que o frio (mais por causa dos pés molhados) e o balanço do veleiro no mar batido – que me jogava de um lado ao outro constantemente – me fizeram ligar o motor.
Foi a melhor decisão, pois do contrário ficaria boiando durante a tarde e parte da noite, já que o vento foi entrar novamente apenas quando cheguei à Baía de Guanabara.
Com mais 5 horas até o destino, navegando a 7 nós no motor e com mar agitado, foi aquele desconforto até entrar na Baía da Guanabara, às 18h17 – parecia que nunca iria chegar!
Já havia falado por telefone com o Flavio Bulcão, antigo dono do Gaia 1 e sócio do ICRJ, para ver se era possível ele me emprestar sua poita.
Ele havia vendido a poita do Gaia 1 (boa para um veleiro de 40 pés) e tinha disponível a poita do Txai, seu veleiro Samoa 28, que estava na bacia do ICRJ fazendo manutenção no motor. Amavelmente ele me cedeu a poita, afirmando que ela aguentaria o Gaia 1, mas que ele ficaria próximo de outros veleiros.
Cheguei no ICRJ por volta de 20h, e o pessoal da Cocoroca – embarcação de apoio do ICRJ chamada pelo canal 67 – me disse que o Txai estava usando a poita. Após um processo de dúvida sobre o que fazer, me liberaram o uso do píer externo para o pernoite, pois segunda-feira é folga do pessoal no ICRJ e não havia quem decidisse o que fazer.
Sorte minha, pois, amarrado, fui comer uma pizza (metade portuguesa e metade mussarela) com chope no restaurante do píer… Delícia!


Inserido nesse ambiente, esquecemos nossas preocupações, e nossas sensações se aguçam. Começamos a perceber de maneira muito mais intensa o tudo que está a nossa volta, como quando o vento passa rasteiro através das águas e sentimos quando as velas “pegam o vento”, o casco aderna e começa a se mover, e percebemos o aumento da velocidade, como se uma mão invisível estivesse nos empurrando. É uma experiência maravilhosa!
Nessa noite, com o mar na baía calma, não sei se pelo cansaço ou por estar no Rio de Janeiro, me senti muito bem, sabendo que dormiria em um local seguro (ancorado, apoitado ou amarrado). Fiquei pensando como seria se tivesse continuado a viagem até Cabo Frio, sem vento e com mar agitado, tendo de dormir por curtos períodos, no relento frio. Minha impressão, seguro e quentinho na cama de proa, é que não teria gostado nem um pouco. É complicado dormir dias no veleiro naquelas condições, longe de terra. Então, desconfortável com a ideia, ou talvez já no início de um sonho, simplesmente ferrei no sono!

Amarrado ao pier externo do ICRJ…
Passei dois dias no ICRJ – terça e quarta-feira, 3 e 4 de outubro – trabalhando no veleiro, na SailBrasil e no artigo que estava escrevendo sobre meu pai na Mackinac Race de 1959, confortavelmente, ou no pontão ou na poita no ICRJ. O reparo na genoa só ficou pronto na quarta-feira de manhã, pois foi necessário deixá-la secar um pouco antes de realizar o serviço (ela estava ensopada quando a levei para a veleria). O reparo, que me custou R$ 400, consistiu basicamente em recosturar toda a extensão da valuma, pois a costura anterior estava muito gasta. Se não tivesse parado, era provável que perdesse essa vela.
Passei a noite da terça para quarta-feira na poita do veleiro do Flávio. Tranquilo… A única preocupação era um veleiro Delta 27, abandonado numa poita “ilegal”, que ficava muito perto do giro do Gaia 1. Outra preocupação inicial era a boia de entrada do canal do Clube de Pesca, que, quando o Gaia 1 girava em sua direção, ficava a apenas cerca de 1 metro da popa. À noite, a luz encarnada parecia estar dentro do veleiro. Mas nada disso foi de fato um problema, com o Delta 27 girando tranquilo no mesmo passo que o Gaia 1, e a boia sempre na mesma posição, a apenas 1 metro da minha popa.


Boia encarnada a 1 metro da popa do Gaia 1. Genoa costurada e pronta para ser instalada.
Comi todos os dias no ICRJ: café da manhã, almoço e jantar. Como é bom não ter de cozinhar e lavar pratos! Não me leve a mal, não tenho problema em fazê-lo; no entanto, se me derem a opção, prefiro que façam por mim.
Na quarta-feira, tive de subir no mastro, pois parte do “T” do running stay “entrou” no mastro e não consegui fazê-lo sair com as mexidas e puxões do cabo de aço. Esse “T” entrou durante a porrada de vento da segunda-feira, enquanto subia a mestra que se enrolou no running pela tala, que acabou quebrando, não sem antes empurrar o “T” para cima e para dentro de sua ranhura no mastro. Nesse mesmo dia também montei e subi a genoa, arrumei o enrolador da genoa e todo o veleiro para partir no dia seguinte cedo.
Persistia o problema da água doce, sem que eu pudesse encontrar a origem do vazamento. Eu acreditava que o problema viesse de uma mangueira passando por algum lugar ao qual eu não tinha acesso. Mas essa era uma hipótese que não fazia sentido, pois o vazamento só ocorria quando o veleiro adernava: se fosse uma mangueira, vazaria com a pressão da bomba. Verifiquei os dois tanques e não encontrei nenhuma fissura ou local por onde poderia vazar tanta água. Ou, seja, eu precisaria de alguém dentro do veleiro para identificar de onde vinha essa água enquanto eu velejava adernado. Sozinho, eu não poderia verificar. Então pensei que poderia tentar com o piloto automático ligado, mas decidi assumir aquilo como um problema crônico do veleiro, continuar enchendo o tanque quando pudesse e secando o porão toda vez que velejasse. Não era algo que me colocasse em perigo, apenas desconfortável – não seria aquilo que iria me deter!
Também não encontrei o local por onde entrava água salgada no compartimento do motor, mas esse eu precisava achar! Água vindo de dentro é desconfortável, mas se pode gerenciar; água vindo de fora já é mais complicado, e é necessário encontrar sua origem de qualquer maneira… Como até então a quantidade era pouca, eu a gerenciava com a bomba de porão; contudo, se não naquele momento, em algum outro eu teria de achar o vazamento.
De qualquer modo, estava pronto para partir para Cabo Frio no dia seguinte.
Preso no Rio de Janeiro… Tudo mudou de repente!
Na quinta-feira 5 de outubro de 2017, por uma coincidência, fiz uma das velejadas mais gostosas da minha vida na Baía de Guanabara, e tomei uma decisão que mudou o curso da viagem.
Coincidência, porque pretendia partir pela manhã do ICRJ para Cabo Frio, ainda no estado do Rio de Janeiro. Mas, como sempre faço antes de partir, procurei a condição de tempo e de vento no trajeto, o Aviso de Mau Tempo para a área (Charlie) e a Carta Sinótica. Todos indicavam ventos de 28 a 33 nós de E/NE – ou seja, na minha “cara” (proa do veleiro, o que obriga a orçar) – e ondas de 2 a 3 metros pelos próximos cinco dias, uma janela de tempo de um dia e, então, nova frente ainda mais forte por mais cinco dias.

A decisão foi fácil: não partir, e ficar no Rio de Janeiro esperando a “porrada” passar. Fiquei preso no Rio de Janeiro… No bom sentido!

Numa parede da sala rádio do ICRJ, um texto e várias fotos de ressacas no mar… Corretíssimo!
Então, calmamente, tomei um bom café da manhã no restaurante do ICRJ e fui tirar o Gaia 1 do pontão externo, onde pernoitei de tão exausto que estava por realizar as manutenções do dia anterior.
Estava cansado, pois havia tido uma noite péssima: como o Txai havia voltado para sua poita, me permitiram amarrar ao pontão externo do ICRJ, mas uma tremenda ressaca na Baía de Guanabara atirou o Gaia 1 a noite inteira contra o pontão externo do ICRJ. Benditas defensas! Mas o chacoalhar com batidas das defensas nas madeiras do pontão e o barulho de cabos se esticando fizeram da noite um terror!
Então, fui velejar e aproveitei para visitar a Baía de Guanabara. Circundei a baía desde o ICRJ, usando como pontos de baliza a Ponte Rio Niterói e a Ponta de Jurujuba, em Niterói, que “fecha” a Enseada de Jurujuba.
Gosto muito de visitar os locais onde a vida no mar é “real”, onde vive e trabalha o povo que tira seu sustento do mar, não os locais produzidos para o navegante de lazer. Então fui procurar estaleiros, cooperativas de pesca, bairros à beira-mar, bases da marinha, porto etc.
Passei até pelo antigo Estaleiro Mauá, do lado de Niterói, com sua antiga sede com duas torres no meio da montanha. Muita da história naval brasileira passou por lá.
Então, depois de visitar tudo, a motor, é claro, dentro da Enseada de Jurujuba (perto do Clube Charitas), subi as velas e saí velejando. Tranquilo, sem forçar nada, aproveitando a beleza daquele lugar, a natureza que me rodeava e a calma de suas águas.
Na enseada faziam 7 a 8 nós, e eu já podia ver que na Baía de Guanabara o mar estava escuro, mostrando um aumento de vento. Calculei uns 10 a 12 nós, o que se confirmou ao chegar lá.
De um través na enseada, passei a uma orça, ainda com velas folgadas, pois queira curtir o entorno. Cristo Redentor e Pão de Açúcar pela proa, todo o Rio de janeiro, Aterro do Flamengo, Aeroporto Santos Dummont e a Ponte Rio-Niterói a boreste, e a entrada da baía com seu forte na Ilha da Laje por bombordo. Na popa ficava a Enseada de Jurujuba. É um visual magnífico e, com esse ventinho e condição do mar, a velejada foi fantástica. Como disse no início, se não foi a melhor, está entre as melhores que já experimentei.
Mas qual foi a decisão que mudou o curso da minha viagem?
Bem, durante a velejada e o passeio, me senti tão completo, tão bem, que percebi não só o óbvio – que o que mais gosto na vida é de velejar –, mas também que o day sailing é minha paixão. É o que me faz estar bem. É o meu perfeito. É o que me completa.
Por esse motivo, decidi que não precisava mais seguir em frente. Curti muito aquelas semanas de velejada em solitário e posso afirmar que se não me desse aquele “estalo” naquele dia, seguiria viagem sem problemas até onde fosse. Mas percebi que, apesar de estar bem no mar por um longo período, gosto mais de velejar até cansar, ancorar e dormir na minha cabine ou na minha casa.
Quando decidi iniciar esta aventura, escrevi um texto que anunciava a decisão de fazer uma viagem em solitário de Ubatuba a Miami. No entanto, após quase duas semanas no mar, da mesma maneira como decidi que precisava partir, cheguei à conclusão de que não é com uma viagem até Miami ou ao redor do mundo que vou saciar minha vontade de velejar. O que sacia minha ansiedade é, simplesmente: velejar e estar no mar. Percebi que não precisa ser uma viagem longa, podem ser apenas alguns dias…
Eu poderia, novamente, tentar justificar esta decisão com motivos mais consistentes, emotivos ou racionais. Contudo, como a viagem é para mim, o motivo acima basta.

A vida é melhor em um veleiro…
Aguardei a janela de tempo se abrir para retornar a Ubatuba. Sem pressa, apenas curtindo meu retorno, velejando e estando no mar. Também sentia saudades da minha esposa e do meu filho – mas, para quem iria esperar três meses para o reencontro em Miami, duas semanas não eram nada…
As duas semanas seguintes, durante as quais velejei por toda a baía de Ilha Grande, Angra dos Reis e Paraty, ficam para outro relato. Mas posso adiantar, que foram duas semanas maravilhosas!
Quem sabe não parto para uma viagem ao redor do mundo em breve… Só tem um jeito de descobrir!
Bons ventos!
Max Gorissen
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