Passeio pelo Porto de Santos até o Forte Itapema

Soltei as amarras na marina para realizar um passeio com minha esposa e meu filho pelo Porto de Santos até o Forte de Itapema.

Apenas para compreender a dimensão e a importância do Porto de Santos, vou discorrer um pouco sobre sua história.

Antes de sua inauguração, no final do século XIX, o então “Porto de Santos” era formado apenas por velhos trapiches e pontes fincados em terrenos lodosos. A inauguração do novo Porto de Santos tem como marco oficial o dia 2 de fevereiro de 1892, quando a Companhia Docas de Santos entregou os primeiros 260 metros de cais, na área até hoje chamada de Valongo. Nesse dia, para comemorar a inauguração, atracou no novo e moderno cais o vapor Nasmith, de bandeira inglesa.

Na virada após a balsa Santos-Guarujá, para quem vem do mar, começa o Porto de Santos.

Com a inauguração do porto, os velhos trapiches e pontes fincados em terrenos lodosos foram sendo substituídos por aterros e muralhas de pedra, e complementados por uma nova via férrea com bitola de 1,60 m ao longo dos novos armazéns para guarda de mercadorias.

Mas foi ainda no século XVI que Brás Cubas teve a ideia de transferir o porto da Baía de Santos para o seu interior, em águas protegidas, inclusive do ataque de piratas. Para o novo local, foi escolhido o sítio denominado Enguaguaçu (hoje reconhecido como o Centro Histórico de Santos), no acesso do canal de Bertioga. Não demorou muito para se formar ali um povoado, com a construção de uma capela e de um hospital, cujas obras foram concluídas em 1543.

Gruas, de todos os tipos, modelos e anos.

O hospital recebeu o nome de Casa da Misericórdia de Todos os Santos e, poucos anos depois, em 1546, o pequeno povoado foi elevado à condição de Vila do Porto de Santos.

Por mais de três séculos e meio, o Porto de Santos, mesmo crescendo, manteve-se em padrões estáveis, com o mínimo de mecanização e muita exigência de trabalho físico.

As condições de higiene e salubridade do porto e da cidade eram precárias, propiciando o aparecimento de doenças de caráter epidêmico.

Em 1867, o início da operação da São Paulo Railway, ligando, por via ferroviária, a Baixada Santista ao Planalto Paulista, melhorou substancialmente o sistema de transportes, com estímulo ao comércio e ao desenvolvimento da cidade e do estado de São Paulo.

Cais dos navios de cruzeiro e turismo. Coitados dos turistas que vieram ver as belezas
do Brasil e têm de ficar em seus camarotes avarandados de frente para as comunidades
de Vicente de Carvalho, uma das regiões mais feias e perigosas do Guarujá.

Na época, a cultura do café estendia-se por todo o Planalto Paulista, atingindo até algumas áreas da Baixada Santista, o que pressionava as autoridades para ampliar e modernizar as instalações portuárias. Assim, o café poderia ser exportado em maior escala e rapidez.

Em 12 de julho de 1888, pelo Decreto n.º 9.979, após concorrência pública, o grupo liderado por Cândido Gaffrée e Eduardo Guinle foi autorizado a construir e a explorar o Porto de Santos por 39 anos, depois ampliados para 90, com base em projeto do engenheiro Sabóia e Silva. Para construir o porto, os concessionários constituíram a empresa Gaffrée, Guinle & Cia., sediada no Rio de Janeiro, mais tarde transformada em Empresa de Melhoramentos do Porto de Santos e, finalmente, na Companhia Docas de Santos.

Os navios da marinha quebram a monotonia do passeio: era dia de visita e os marinheiros estavam vestidos com seus belos e elegantes uniformes brancos.

F49 – F Rademaker é uma fragata da Classe Greenhalgh, da Marinha do Brasil, sendo um dos quatro navios Classe fragatas Type 22 (Lote I) adquiridos da Marinha Real Britânica, pela qual era designada como HMS Battleaxe (F-89). A Fragata Rademaker leva o nome do Almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald (1905-1985) e é o primeiro navio a ostentar esse nome na Marinha do Brasil. O Almirante Augusto Rademaker participou ativamente de Operações Navais durante a Segunda Guerra Mundial, foi Ministro da Marinha entre 15 de março de 1967 e 30 de outubro de 1969, e integrou a junta militar que presidiu o país de 31 de agosto a 30 de outubro de 1969. Posteriormente, foi eleito vice-presidente da República na chapa encabeçada pelo general Emílio Garrastazu Médici.
V34 – É o primeiro exemplar da Classe e foi construído no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), entrando em serviço no ano de 2008. O barco é uma homenagem ao herói nacional Almirante Francisco Manuel Barroso da Silva, Barão do Amazonas, que serviu na Marinha Imperial do Brasil e teve importante papel na Batalha do Riachuelo, na Guerra do Paraguai.
F42 – A F Constituição é uma fragata da Classe Niterói, da Marinha do Brasil. Fruto do Programa de Renovação e Ampliação de Meios Flutuantes da Marinha, concebido na década de 1970, que previa a construção de seis fragatas da Classe Niterói, foi a terceira a ser iniciada. Construída em 1974 nos estaleiros Vosper Thornycroft Ltd., na Inglaterra, seu batimento de quilha ocorreu em 13 de março daquele ano. Foi lançada ao mar no dia 15 de abril de 1976 e incorporada à armada em 31 de março de 1978. A embarcação utiliza “Urso” como lema.

Inaugurado em 1892, o Porto de Santos não parou de se expandir, atravessando todos os ciclos de crescimento econômico do país, mudanças nos tipos de carga, até chegar ao período atual, de amplo uso dos contêineres.

Açúcar, café, laranja, algodão, adubo, carvão, trigo, sucos cítricos, soja, veículos, granéis líquidos diversos, em milhões de quilos, fazem parte do cotidiano do porto, que desde sua inauguração já movimentou mais de um bilhão de toneladas de cargas.

Em 1980, com o término do período legal de concessão da exploração do porto pela Companhia Docas de Santos, o Governo Federal criou a Companhia Docas do Estado de São Paulo-Codesp, empresa de economia mista, de capital majoritário da União.

Em 2013, o Porto de Santos superou a marca de 114 milhões de toneladas movimentadas, antecipando em um ano a projeção base para 2014, de movimentação de 112,6 milhões de toneladas.

Um dos diversos estaleiros com navios enferrujados. Este parece que foi adaptado como barcaça de dragagem do canal. Incrível como ainda flutua! Ou será que não flutua mais, e é por isso que estava ali?

Corpo de Bombeiros com um de seus barcos (vermelho) e, à esquerda, Forte de Itapema. O terminal da estação de barcas de Vicente de Carvalho-Guarujá fica a esquerda, fora da foto.

Voltando ao passeio: uma vez passadas as balsas e o Iate Clube de Santos, temos a visão do tamanho do Porto de Santos. Logo aparecem os primeiros cais, que se sucedem interminavelmente, apenas entrecortados, do lado de Santos, por alguma outra instalação, como a base dos práticos, a Receita Federal ou o cais da Marinha do Brasil.

Do lado do Guarujá, os cais são entrecortados por diversas comunidades precárias, que se estendem desde a orla da praia do canal em uma sucessão de barracos sobre trapiches e tocos de madeira: resultado da falta de ações públicas e sociais. Há ainda o que parecem desmanches de cascos de aço, mais do que estaleiros, para enfim dar no terminal da estação de barcas de Vicente de Carvalho e do Posto de Bombeiros, adjacente ao Forte de Itapema.

De qualquer forma, após ver alguns navios monstruosos, algumas gruas enormes, uma ou outra em processo de descarregar contêineres, o passeio fica monótono, sendo quebrado apenas pelos belos rebocadores (adoro rebocadores!), navios de guerra da marinha ou navios de passageiros, bem como pela constante preocupação quando algum bote toma o rumo do veleiro, sem sabermos quais são suas intenções.

Por sorte, todos os botes que vieram na direção do veleiro estavam apenas curiosos por ver um veleiro passeando no canal – coisa incomum, já que, como verifiquei, o local não tem nenhum atrativo para um passeio e, pelo que me disseram, é muito perigoso.

Mapa do século XVII indica posição do Forte de Itapema na Ilha de Santo Amaro com
uma estrela, hoje, parte de Vicente de Carvalho, no Guarujá.

A falta de atrativos é agravada pelas águas sujas do canal, pelo fato de que as poucas praias restantes são pequenas e imundas, pelo fedor do ar que vai e vem, dependendo do cais das empresas onde se passa, pelas comunidades precárias por todos os lados e por uma sensação contínua de insegurança.

O pior de tudo: o forte, motivo do passeio, está totalmente abandonado e depredado, sem possibilidade de visitação (na época da minha visita… o forte foi totalmente restaurado e aberto ao público em 2022. Veja matéria sobre o Forte de Itapema no site da Prefeitura do Guarujá).

Quadro de Benedito Calixto retratando o Forte de Itapema no final do século XIX.

Forte de Itapema visto de quem vem da Baía de Santos (pela Entrada do canal).

Forte de Itapema visto por quem vem da Cidade Histórica de Santos (vem de Cubatão). Ele é banhado pelas águas de Guarapiçumã, nome dado pelos indígenas ao estuário.

O Forte do Itapema é o único monumento histórico de Vicente de Carvalho. Trata-se de uma das mais antigas edificações do Brasil, construída no século XVI com a finalidade defender o estuário da Vila de Santos (hoje Centro Histórico de Santos).

Em 1908, já abandonado, a Intendência Geral da Guerra entregou o forte à Delegacia da Receita Federal, em Santos, que mandou construir um posto de fiscalização para a Alfândega, sobre uma torre dotada de holofotes (foto antiga na próxima página), para melhor iluminação do estuário e combate ao contrabando. Essas instalações foram totalmente destruídas por um incêndio em 1976, e apenas parte da torre e suas janelas são ainda vistas hoje (foto nova na próxima página).

Foto da torre tirada em 2017 sem os holofotes (farol).

Foto antiga da torre de holofotes (farol) – autor desconhecido.

O imóvel foi tombado pelo estado de São Paulo em 1982. Ao final de 1999, a imprensa anunciou um projeto de restauração e revitalização das instalações do forte e seu entorno, com investimentos da ordem de R$ 500 mil, oriundos, em partes iguais, da Secretaria da Receita Federal e da Prefeitura Municipal do Guarujá. O projeto previa a utilização das instalações do forte como espaço cultural; da torre de holofotes (farol) como museu; da antiga Casa do Administrador como biblioteca; e mais a instalação de Centro de Convenções com capacidade para 130 lugares, portaria com sistema de comunicação e recepção ao público, sanitários públicos, estacionamento para 30 a 50 veículos e atracadouro para barcos de turismo.

Planta de 1714 mostra a disposição das instalações do Forte de Itapema. Na época desta planta, ainda não havia sido construída a torre sobre o Pinhão Rochoso, que dá nome ao lugar.

Belo arco na escadaria que dá na torre de holofotes (farol).

À esquerda, parte do forte, um pequeno estaleiro e garagem de manutenção de
embarcações provavelmente de uso da alfândega.

O projeto ainda estava no papel no final de 2001, e a Alfândega de Santos mantinha nas instalações do antigo forte um Posto de Observação para repressão ao contrabando, informando que o Projeto de Restauração já havia sido aprovado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), órgão do Governo do Estado de São Paulo, devendo as obras serem iniciadas em 2002, com prazo de oito meses para conclusão. O projeto prevê iluminação externa do monumento, bem como o tratamento paisagístico do entorno. A comunidade, no entanto, pleiteava a recuperação da área e sua abertura ao público, uma vez que o forte é o único atrativo turístico do distrito, podendo atrair público para o Centro Comercial.

Adjacente ao forte, este estaleiro, com suas embarcações enferrujadas, pode causar tétano só de ficar perto. É bom garantir que a antitetânica esteja em dia…

A poucos metros da estação das barcas de Vicente de Carvalho, a estrutura, fechada à visitação pública, compreende o edifício (torre) do farol, a Casa da Zeladoria, o posto de observação da Alfândega, o Museu de Amostras de Laboratório, oficina de estaleiro, doca seca para guarda de até oito embarcações, e outras instalações. O patrimônio, avaliado em fins de 2001 em cerca de R$ 1 milhão, tem sua manutenção predial regular a cargo da Oitava Região Fiscal da Superintendência Regional da Receita Federal.

É uma pena ver um patrimônio tão maravilhoso tratado com tanto descaso.

O forte é muito bonito, com seus arcos e torres em estilo medieval, e o prédio, acredito, único em sua arquitetura e função no mundo inteiro, caindo aos pedaços…

Sim, esta é a orla da parte histórica de Santos. Não há onde atracar embarcações de lazer para descer e fazer turismo. Tudo que se vê são galpões sujos e caindo os pedaços, em uma barreira que, adicionado o entulho, é intransponível!

Prédios feios e de arquitetura antiquada complementam a sensação de decadência da orla da cidade histórica. E os navios atracados, destruídos, não ajudam em nada.

Por trás destes galpões centenários, ainda se podem visualizar alguns prédios, casarões e igrejas de estilo arquitetônico colonial – sobreviventes de um povo sem história.

Tudo está errado nesta orla… Observe o prédio à direita da igreja: quem, em sã consciência, constrói um prédio sem janelas e sem vista para o canal e a Mata Atlântica do outro lado? Os galpões velhos (seriam antigos, se estivessem restaurados) dão uma sensação de decadência e desleixo.

Decidi seguir um pouco mais adiante para visitar a velha cidade de Santos (atual Centro Histórico de Santos), mas não há lugar para atracar uma embarcação de lazer para fazer turismo na cidade: toda a extensão do cais está fechada por galpões, entulho e muito lixo… Lembrei imediatamente do livro de Élio Somaschini, O que sobra de uma viagem: histórias de um velejador em solitário, no qual ele diz que “chegar em uma cidade de veleiro é entrar pela porta da frente, é descobri-la na sua forma mais bela, é ver a cidade sorrindo e convidando”… Bem, no caso da Vila e Centro Histórico de Santos, chegar de veleiro é chegar pela porta dos fundos, e a porta, além de suja e mal cuidada, está fechada! Não há onde atracar! Que pena… Quanta falta de visão das instituições públicas… Depois reclamam que não existe turismo e cultura no Brasil.

É a porta dos fundos da cidade…

Não existe lugar para atracar e curtir o centro histórico de Santos… Quer visitar?
Vá por terra, que por mar não tem jeito!

Retornando em direção a Baía de Santos.

Este barco de pesca, rodeado por boias de contenção para o caso de vazamento, apodrece em frente ao que acredito ter sido um prédio de escritório de estilo colonial, hoje em ruínas.

Prédios com uma arquitetura maravilhosa ficam escondidos por trás das tubulações e passarelas do “progresso”. Um dos tantos botes que passavam por perto do veleiro causando certo desconforto.

Comunidades precárias do lado de Vicente de Carvalho são uma constante.

Chegando ao final (ou início, para quem vem do mar) do Porto de Santos, cais de contêineres na margem do Guarujá. Pouco mais adiante, já estamos em frente ao Iate Clube de Santos (ICS) e às balsas Guarujá-Santos.

Após passear pela porta dos fundos de Santos, com a certeza de que não devo mais retornar, tirei várias fotos (que espero serem suficientes para que você não precise ir até lá também) e voltei, cautelosamente, para a marina… chegando são e salvo!

Bons ventos!

Max Gorissen

Velejador. Escritor.

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